Biólogos criam precursor de olho humano a partir de células-tronco
27/06/12 – Um biólogo especializado em células-tronco obteve sucesso em sua última tentativa de reproduzir o desenvolvimento de órgãos de mamíferos in vitro. Yoshiki Sasai, do Centro Riken de Biologia do Desenvolvimento (CBD, em inglês), em Kobe, Japão, criou o precursor de um olho humano em laboratório.
A estrutura, chamada cálice óptico, tem 550 micrômetros de diâmetro e várias camadas de células da retina, incluindo fotorreceptores. A conquista elevou as esperanças de que algum dia médicos sejam capazes de recuperar olhos danificados. Mas para pesquisadores da Sociedade Internacional de Pesquisas com Células-Tronco em Yokohama, Japão, onde Sasai apresentou suas descobertas, o mais emocionante é o fato de o cálice óptico ter desenvolvido sua estrutura sem a interferência de Sasai e sua equipe.
“A morfologia é que é realmente extraordinária”, declara Austin Smith, diretor do Centro de Pesquisa com Células-Tronco da University of Cambridge, Reino Unido.
Até recentemente, cientistas só tinham produzido células-tronco embrionárias em camadas bidimensionais. Mas nos últimos quatro anos Sasai usou células-tronco embrionárias de ratos para cultivar córtices cerebrais tridimensionais, glândulas-pituitárias e tecidos de cálices ópticos bem organizados. Seu último resultado marca a primeira vez que alguém conseguiu essa façanha usando células humanas.
Padrões familiares
As várias partes do cálice óptico humano cresceram, em sua maioria, na mesma ordem que as do cálice óptico de ratos. Isso confirma uma lição biológica: os sinais para essa complexa formação vêm de dentro da célula e não dependem de eventos exteriores.
No experimento de Sasai, células precursoras da retina espontaneamente formaram uma “bola” de células de tecido epitelial e, em seguida, inflaram formando uma bolha chamada vesícula ótica. Depois, a flexível estrutura se dobrou sobre si mesma para formar uma bolsa, criando o cálice óptico com uma parede externa (o epitélio da retina) e uma interna, composta de camadas de células da retina, incluindo fotorreceptores, células bipolares e células ganglionares. De acordo com Sasai, “isso resolve um longo debate” sobre o desenvolvimento do cálice óptico ser conduzido por sinais internos ou externos.
Houve algumas diferenças sutis no momento dos processos de desenvolvimento dos cálices ópticos de humanos e ratos. Mas a maior diferença foi o tamanho: o cálice óptico humano tinha mais de duas vezes o diâmetro e dez vezes o volume do cálice dos ratos. “Ele é vasto e espesso”, aponta Sasai. As proporções, semelhantes às vistas no desenvolvimento da estrutura in vivo, são significativas. “O fato de o tamanho ser intrínseco à célula é muito interessante”, destaca Martin Pera, biólogo especialista em células-tronco, da University of Southern California, Los Angeles.
Olho por olho
A conquista poderia fazer uma grande diferença clínica. Cientistas tiveram sucessos cada vez maiores no transplante celular: no mês passado, um grupo da University College London mostrou que o transplante de fotorreceptores derivados de células-tronco poderia resgatar a visão de ratos. Mas o transplante envolvia apenas bastonetes, não cones, e deixava o transplantado vendo imagens confusas. A estrutura de Sasai, feita em camadas orgânicas, oferece a esperança de tecidos fotorreceptores integrados poderem ser transplantados um dia. O processo de desenvolvimento também poderia ser adaptado para tratar doenças específicas, e estoques de tecido poderiam ser produzidos para transplante e congelados.
Sasai enfatiza que as células do cálice óptico são “puras”, ao contrário das células em agregados bidimensionais, que ainda podem conter células-tronco embrionárias. Isso reduz a preocupação com a possibilidade de transplantes provocarem tumores ou o desenvolvimento de fragmentos de tecidos isolados. “É como colher uma maçã de uma árvore: não esperamos que haja ferro lá dentro”, compara Sasai. “Não teríamos razão para esperar que houvesse ossos crescendo nesses olhos”.
Masayo Takahashi, oftalmologista do CBD, já começou a transferir camadas da retina desses cálices ópticos para ratos. Ela planeja fazer o mesmo com macacos até o fim do ano. A grande dúvida é se o tecido transplantado se integrará com o tecido nativo. Clínicos e biólogos também vão querer saber se será fácil reproduzir o sucesso de Sasai. Alguns dos presentes na reunião já haviam tentado e falhado em reproduzir o experimento com ratos de Sasai usando células humanas. “Precisamos saber o quanto ele é robusto e reproduzível”, finaliza Smith.
Fonte: Scientific American Brasil, por David Cyranoski