Panorama da divulgação e do jornalismo científico no País

28/05/12 – Durante rápida estadia na capital amazonense, a jornalista e pesquisadora Luisa Massarani concedeu entrevista exclusiva ao Ciência em Pauta/SECTI-AM, na qual avalia o atual cenário da divulgação científica no Brasil e o panorama do jornalismo científico, bem como a inserção das mídias sociais nos processos de divulgação científica.

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Massarani coordena o Museu da Vida (www.museudavida.ufrj.br), ligado à Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, e o portal da SciDev.Net (www.scidev.net) na América Latina e Caribe. O SciDev.Net (Science and Development Network, ou Rede de Ciência e Desenvolvimento) é uma instituição que se dedica a melhorar a comunicação sobre temas de ciência e tecnologia. Está sediada em Londres e foi criada com apoio das revistas Nature e Science e da Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento.

Ela é mestre em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e doutora na Área de Gestão Educação e Difusão em Biociências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou, ainda, doutorado-sanduíche com bolsa da Capes no Department of Science and Technology Studies da University College London, Reino Unido. Realiza atividades práticas e de pesquisa na área de Divulgação Científica.

Confira a entrevista:

Ciência em Pauta: O que levou você a trabalhar com divulgação científica?

Luisa Massarani: Quando estava terminando o Ensino Médio queria fazer ciência, particularmente biologia. No entanto, não estava totalmente convencida de que queria trabalhar com pesquisa, pois tinha a impressão de que poderia ficar entediada trabalhando com um único tema de pesquisa. Então fiz vestibular para Farmácia e Comunicação Social. Depois de um tempo não estava sendo possível conciliar os dois cursos e optei por continuar na comunicação. Durante a graduação consegui um estágio na revista Ciência Hoje. Assim que entrei, percebi que a minha praia era a divulgação científica. Permaneci lá por 12 anos. Nesse período, trabalhei na revista como jornalista, no Jornal da Ciência, cobrindo políticas científicas. Essa é uma área que adoro cobrir e ainda é menos explorada pelos jornalistas. Também trabalhei como editora da revista Ciência Hoje das Crianças. Essa experiência de produzir para o público infantil foi interessante. Com a minha formação e trajetória em jornalismo, escrever para crianças abre muitas oportunidades diferentes, pois é um mundo novo e cada matéria é uma busca por maneiras diferentes de escrever. A partir dessas experiências tive uma fome por tentar aperfeiçoar a prática em divulgação científica.

Fiz o mestrado em Ciência da Informação pelo Ibict. Até pelo fato de existirem poucas oportunidades de formação na área de divulgação. Depois fui fazer doutorado em Bioquímica, por ser uma oportunidade estar em um curso de nível máximo na pontuação da Capes. A área de concentração da pesquisa foi em gestão da informação e educação.

Depois decidi sair da Ciência Hoje, pois precisava enfrentar desafios novos. Consegui uma bolsa sanduíche para Londres e fiquei num contexto efervescente de divulgação científica. Quando voltei para o Brasil comecei a atuar no Museu da Vida/ Fiocruz e depois passei no concurso para a instituição.

Ciência em Pauta: Qual a importância da divulgação científica voltada para crianças?

Luisa Massarani: Eu acredito ser fundamental. Alguns estudos mostram que as crianças são pesquisadores naturais, pois são muito curiosas sobre o mundo que os cerca. Essa curiosidade natural acaba, muitas vezes, sumindo posteriormente. É um momento interessante de se iniciar a divulgação científica, pois é nesta idade em que se formam futuros cidadãos. Além disso, as crianças constituem-se num público muito interessado em atividades de ciência.

Ciência em Pauta: Como você vê a expansão da Divulgação Científica no País? Qual o cenário atual?

Luisa Massarani: Estamos em um momento de grande efervescência da divulgação científica e isso acontece por vários motivos. Primeiro, a comunidade científica passou a se dar mais conta da importância em falar para a sociedade. Vale ressaltar que a Ciência Hoje nasceu de um esforço de pesquisadores para estimular cientistas brasileiros a falarem com a sociedade. Essa aproximação é necessária, até pela importância da ciência e do debate de temas científicos para a sociedade, a exemplo de temas como o código florestal, cultivos transgênicos, pesquisas com células-tronco embrionárias, mudanças climáticas e uma série de temas relacionados à ciência que estão permeando a nossa conversa do cotidiano.

Os cientistas estão mais disponíveis e conscientes da importância de falar sobre ciência. A sociedade está mais interessada por temas de Ciência e Tecnologia. Mas, além disso, existem alguns esforços importantes que também fizeram a diferença.

Ciência em Pauta: Quais os principais movimentos que impulsionaram a divulgação científica?

Luisa Massarani: A criação de um departamento dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia voltado para popularização da ciência é um símbolo desse esforço. Bem, como a criação de editais específicos no início dos anos 2000, estimulando todo um movimento no Brasil. As Fundações de Amparo à Pesquisa, como Fapeam, Fapesp e Faperj, que criaram seus programas de divulgação.

O CNPq criou um Comitê Assessor em Divulgação Científica, que estabelece as prioridades para a área e avaliam projetos de pesquisa. Recentemente, o CNPq anunciou que a plataforma lattes vai contar com uma parte dedicada para a divulgação cientifica, dando portanto mais visibilidade para essas ações. Outro fator simbólico interessante foi o fato do Comitê Assessor de Física, que é bem tradicional, ter definido como um dos critérios para dar a bolsa produtividade o fato dos pesquisadores realizarem atividades de divulgação.

É também emblemática a criação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, constituindo-se como uma forma de engajar o Brasil inteiro em atividades de ciência e tecnologia.

Vale registrar que, durante a produção da minha dissertação de mestrado, que fala da divulgação científica na década de 20 no País, percebi que desde o início do século XIX já existiam atividades dessa natureza. Elas foram desenvolvidas particularmente na segunda metade do século XIX, quando há um pico na divulgação. Percebemos que o aumento e a redução de intensidades da divulgação científica faz parte de um movimento natural. O que eu espero é que essa intensidade que estamos vivendo perdure.

Ciência em Pauta: Apesar de vivermos nesse cenário favorável, você vê oportunidades de mais investimentos na divulgação científica e especificamente no jornalismo científico?

Luisa Massarani: Melhorar sempre pode. O jornalismo científico, por exemplo, teve um momento de muito entusiasmo na década de 1980, justamente a época em que comecei a atuar na área. Muitos cadernos de ciência estavam sendo criados. Com a vinda da internet, na década de 1990, também houve a criação de muitos sites na área. Posteriormente, enquanto os museus e centros de ciência começaram a ter um momento de efervescência, o jornalismo científico registrou uma certa retraída. Hoje em dia, eu vejo que ele está crescendo novamente. Fizemos uma enquete para tentar identificar quem são os jornalistas científicos no Brasil e em outros países da América Latina e percebemos algumas coisas interessantes. Boa parte dos jornalistas que atuam no segmento está empregada. Vemos que tem uma geração mais nova que está entrando na área, portanto, toda uma nova geração.

Acredito que ainda falta capacitação. Deveriam ser oferecidas mais oportunidades para qualificar os jornalistas. Em 2009, por exemplo, criamos uma rede de capacitação e monitoramento em jornalismo científico. O projeto da rede contou com recursos por quatro anos para fazer capacitações na América Latina. Concluímos o projeto fazendo capacitações em 10 países, como Bolívia, Equador, Venezuela, Honduras e Nicarágua. Percebemos que, com pequenos movimentos de capacitação, temos respostas muito fortes. Temos relatos de que pequenos impulsos têm gerado novos programas e novas seções de ciência.

Ciência em Pauta: Quais os desafios para a prática do jornalismo científico?

Luisa Massarani: Um desafio importante para o jornalismo científico brasileiro, da América Latina e, possivelmente, mundial é que ele seja mais crítico. Ainda somos muito entusiasmados pela ciência. A ciência é legal mesmo, mas ainda a reproduzimos como um caráter mais maravilhoso. Isso certamente é importante, mas também precisamos falar mais de riscos, controvérsias e políticas científicas. É necessário ser mais do que um tradutor de informações. Isso não quer dizer que estejamos falando mal da ciência, mas sim da importância de falar de questões que tem haver com todo o processo da própria construção do conhecimento científico. É fato que essas matérias exigem maior preparo do profissional. No entanto, acredito que a cobertura dessas questões deve-se ao fato de que muitos profissionais não estão percebendo ainda a importância de falar sobre isso.

Ciência em Pauta: Qual o papel da internet e das Mídias Sociais dentro da divulgação científica?

Luisa Massarani: Do ponto de vista da prática do jornalismo, a internet foi fundamental em vários aspectos. Um deles é que ela mudou muito a forma de trabalho do jornalista. Fazer uma matéria de ciência ficou mais fácil. Se o profissional souber identificar sites com informações confiáveis, o processo de produção ganha uma dinâmica interessante. O jornalista consegue fazer matérias com mais qualidade e agilidade. Também consegue fazer entrevistas com pesquisadores de fora. Nesse caso, pode haver um efeito colateral, visto que ainda não é da cultura do pesquisador brasileiro responder de forma ágil às demandas do jornalista. Já nos EUA, por exemplo, pesquisadores têm como cultura responder rapidamente, mesmo que o jornalista seja de um jornal de pouca expressão. Como é mais fácil, às vezes, a abordagem pode ocorrer em uma dimensão menos regional.

As mídias sociais criam um stress muito forte em determinadas ocasiões, como na cobertura de eventos, pois o jornalista tem de atuar no Twitter, pensar no blog, fazer reportagem, entre outras atividades em paralelo. Essa situação gera uma dinâmica com super velocidade. É instigante compartilhar as informações em tempo real, mas gera um ritmo frenético e acredito que precisamos redimensionar isso.

Do ponto de vista da divulgação científica, as mídias sociais estão tendo papel importante. Do ponto de vista dos cientistas, elas permitem que os pesquisadores sejam atores da própria divulgação científica, de maneira muito ágil. O blog em particular é uma ferramenta muito interessante. Vemos, no Brasil, um número importante de espaço feito por cientistas. As mídias permitiram uma dinâmica nova e interessante.

Quando me perguntam se é o jornalista ou o cientista que deve divulgar ciência, eu acho que essa é uma pergunta mal colocada. Acredito que todo mundo tem de divulgar ciência e cada um tem suas características.

Ciência em Pauta/ SECTI-AM, por Anália Barbosa