Lições de um mancebo
Por Odenildo Sena*
28/02/2012 – Estava absorto em uma difícil tarefa em seu quarto. Atraído pelo barulho da água que escorria pela torneira do lavatório, hesitou um pouco, mas se deu por vencido e deixou de lado um compromisso nem sempre fácil de apartar. Deu pausa no PS3, interrompendo uma dura e equilibrada batalha na qual Luke Skywalker, Han Solo e dois androides lutavam desesperadamente para resgatar a princesa Leia e deixar a galáxia livre das ameaças do perverso Darth Vader. Encontrou-me no banheiro, absorto naquele abominável trabalho diário de raspar a barba. O zumbido do aparelho não me permitiu detectar sua silenciosa aproximação, o que me causou um susto danado, sem afetar sua sobriedade e, muito menos, o tom de voz beirando o autoritarismo. “Pai, desliga a torneira”. Dei-me conta do lamentável descuido e atendi, de pronto, aquilo que era mais uma ordem do que um pedido. Achei que, cumprida aquela nobre missão em prol da sustentabilidade do planeta, ele fosse retornar ao quarto e reassumir o comando da frenética batalha “Star Wars”. “Você sabia que um dia a água do planeta vai acabar, pai?” Claro que sei! Foi minha resposta imediata, seguida de uma carona oportunista na esteira das palavras de quem havia acabado de me dar uma lição. As florestas, os animais, os peixes, tudo vai acabar se a gente não tiver muito cuidado com tudo isso. Sabe o rio onde o papai aprendeu a nadar no tempo de criança lá em São Raimundo? Hoje não existe mais. Não tem mais água nele. Só lama. Mas o pequeno não deu a mínima para a tentativa de me aliar a suas preocupações.
Encarou-me com firmeza, bateu levemente em minhas costas e não deixou por menos. “Então não estraga água. Só abre a torneira bem pouquinho quando for fazer a barba”. Tentei, ainda, uma saída pela esquerda, mas ele tomou a minha dianteira e prognosticou com a convicção de Nostradamus. “Mas quando acabar a água vai aparecer outro mundo”. Manifestei minha descrença franzindo a testa e balançando a cabeça. Não contou dúvida e completou sua profecia. “Só que os animais não precisarão mais de água. A pedra vai substituir a água”. Achei melhor parar por ali. Não tinha mesmo como me contrapor a argumentos tão pesados.
Noutro dia, enquanto almoçávamos, sem que nem pra que parou a colher entre o prato e a boca e, como quem é premiado com um súbito lampejo, vaticinou com a segurança de um Prêmio Nobel habituado a complexas incursões no campo da economia mundial. “Sabe, o futuro é a China”. Sem nada entender daquela afirmação descontextualizada, eu e sua mãe trocamos olhares de espanto e surpresa. Não se intimidou com aquele nosso estado de perplexidade. Completou o trajeto da colher até a boca, mastigou pausadamente a comida, como quem usa da estratégia de ganhar tempo para organizar o discurso, mordeu os lábios e nos encarou com um ar de compaixão, como se fôssemos as criaturas mais desinformadas do mundo e tivéssemos carentes de sua lição. “Sabiam que todos meus Max Steel tem escrito made in China? Já vi também outros brinquedos. Todos têm a mesma coisa”.
Fazer o quê? Melhor não contar para os americanos.
*Odenildo Sena é Secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas e Presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti). Artigo publicado simultaneamente no Jornal Diário do Amazonas e nos portais D24am e Portal Amazônia em 28/02/12.