Literatura de aeroporto
Por Odenildo Sena*
Quase certeza de que meu amigo e professor Gabriel Albuquerque não admitiria. Eu mesmo hesitei muito ao atribuir o título acima, nessa minha insuperável mania de começar sempre por ele como pretexto em busca da tal inspiração. Até o final do texto, embora essa não seja historicamente a regra, penso em outro nome mais adequado.
Mas o fato é que, seja literatura ou outra coisa qualquer, há certo gênero de produção escrita que frequenta com prioridade as prateleiras dos aeroportos.
Num desses não tão raros dias de chá de cadeira, sentei-me diante de uma vitrine no velho e cansado Eduardo Gomes de guerra e me pus a fazer um inventário dessas raridades. Impressiona a quantidade, não a variedade de títulos, uma vez que todos têm em comum o viés apelativo da salvação da lavoura e da busca dessa força estranha e poderosa que habita as entranhas de cada criatura sem que elas se deem conta disso. “Fique bem com seu cérebro”.
De minha parte, não tenho tido nenhuma desavença com o meu. Habitamos na maior das harmonias, até onde alcança minha percepção. Mas a coisa não para aí. “Aumente o poder do seu cérebro”. Em sã consciência, me respondam, por que eu daria mais poder ao meu cérebro, se do jeito que está aqui e ali ele já ensaia fugir ao meu controle? “Deixe seu cérebro em forma”. Tenha a santa paciência! Apesar da quilometragem rodada, não tenho registro de que o meu esteja a precisar de qualquer condicionamento físico.
Em resposta aos três títulos acima, pensei em escrever “Por favor, deixem meu cérebro em paz”. Vejam este outro. “O que toda mulher inteligente deve saber”. Assim não dá! Tomo as dores das mulheres, por entender que o título é um desserviço à causa feminina, justo num momento histórico em que as mulheres botam pra quebrar e conquistam merecidos lugares até então negados pelo império machista em franco declínio.
De um lado, o enunciado fomenta a cizânia, quando estabelece haver o grupo de mulheres inteligentes e o grupo daquelas que nem tanto. De outro, ao mesmo tempo em que admite haver mulheres inteligentes, nega-lhes essa virtude, ao reconhecer que elas precisam saber de algumas coisas. Elementar deduzir que, se elas são inteligentes, sabem das coisas, portanto dispensam a desabonadora recomendação da indigesta obra.
No geral, há um dissimulado maniqueísmo nesses títulos. “Mulheres corajosas sempre vencem”. E as medrosas, pergunto eu, onde ficam nessa história? Tragicamente fadadas sempre ao fracasso? Como se inexistisse virtude alguma no medo, que muitas vezes se traveste de prudência ou outra estratégia qualquer para vencer as adversidades.
Pra completar minha surpresa, movo o olhar para o canto esquerdo da vitrine e me deparo com esse livro provocativo: “As mulheres e o dinheiro”. Melhor terminar por aqui.
* Odenildo Sena é Secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas e Presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I. Este artigo foi publicado simultaneamente no Jornal Diário do Amazonas e no Portal Amazônia no dia 05/07/2011.