Tradição oral e memória em debate na 9ª Semana Nacional de Museus
Muitas vezes descrita como a capacidade de lembrar o passado, a memória vai além dessa definição, para discutir a construção o conceito, o Museu Goeldi realiza, nos dias 16 e 17 de maio, durante a 9ª Semana Nacional de Museus, o Seminário “Museu e Memória: diálogo entre linguagens contemporâneas em espaços museais de ciência”.
Com o objetivo de proporcionar um ambiente de discussão sobre a relação entre diversas disciplinas do campo da arte com a memória social e espaços museológicos, o seminário trata de linguagens diversas como a fotografia, o cinema, a música, o teatro, a arquitetura, a literatura e o multimídia. Tais suportes se constituem possibilidades na concepção museológica e museográfica, assim como nas atividades educativas de espaços expositivos.
A mesa redonda da tarde do dia 16 abordou a temática ‘Memória, territórios e suas representações’, mediada pela arquivista Doralice Romeiro, da Coordenação de Informação e Documentação do Museu Goeldi, onde o pesquisador visitante da instituição, Hein Van der Voort, apresentou aspectos do estudo que desenvolve com o povo Aikanã-Kwaza, em Rondônia. Segundo Van der Voort, “em Rondônia há uma grande diversidade lingüística. Já documentei 25, mas nos últimos 50 anos, o estado foi castigado pelo desmatamento, que contribui para a perda de línguas na região”.
Para o pesquisador, o arquivamento audiovisual que está sendo feito é o registro não apenas da língua desse povo, mas também das histórias que fazem parte de sua tradição oral e que preservam muito mais que a língua, mas sim o contexto social. Van der Voort relatou também que o distanciamento dos jovens da tribo do conhecimento transmitido oralmente pelos mais velhos dificulta a preservação das línguas. “Os jovens costumam respeitar a tradição oral, mas não querem aprender, preferem ver TV – quando há gasolina para o gerador – do que ouvir os contos tradicionais”, conta o linguista. Como parte do seu trabalho de pesquisa, Van der Voort pretende elaborar um dicionário com as informações lingüísticas que coletou.
As ações para gestão do Patrimônio Cultural e Científico no âmbito das políticas públicas foram o tema tratado pela turismóloga Carla Cruz, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). “Quando se fala em patrimônio, subentendem-se duas categorias: o material – tudo que está edificado – e o imaterial – musica, dança, língua”, explicou. Tais manifestações ajudam a preservar e a construir a identidade de um local: “Saber quem se foi e quem se é, é um direito de todos”, completa Carla.
Em termos do patrimônio material, Carla mostrou que o trabalho do IPHAN é representativo. O Instituto já tombou mais de 20 mil edifícios, 83 centros e conjuntos urbanos, 12.517 sítios arqueológicos cadastrados. Além disso, mais de um milhão de objetos também foram tombados, incluindo acervo museológico, cerca de 250 mil volumes bibliográficos, documentação arquivística e registros fotográficos, cinematográficos em vídeo.
Do imaginário regional – As experiências trazidas pelo Projeto ‘O imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia” – IFNOPAP’, foram apresentadas pela professora da Faculdade de Letras da UFPA e coordenadora do projeto, Socorro Simões. “A idéia (do projeto) foi inserir o universitário no contexto da tradição oral local, onde a memória é a forma mais singular para a preservação da cultura”, explica a pesquisadora. O projeto tem mais de 5 mil histórias contadas, onde os contadores misturam as lendas com a própria vida.
Criado em 1995, o IFNOPAP busca identificar manifestações culturais da Amazônia paraense que estejam passando por processo de descaracterização ou perdendo espaços significativos de divulgação e de produção, com intuito de apoiá-las e revitalizá-las. O projeto também propõe ações extensivas e de reflexão sobre a educação, pesquisa e da biodiversidade amazônica, dando ênfase a experiência de vida das comunidades ribeirinhas.
Espaços museais – Ainda na segunda-feira, aconteceu pela manhã, a mesa redonda “Memória, Cultura e espaços museais”, mediada por Antonio Carlos Lobo Soares, da Coordenação de Museologia, do MPEG e composta pela M. Sc. Rosângela Brito, Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará – ICA/UFPA; pelo Dr. Nelson Sanjad, Coordenador de Comunicação e Extensão do MPEG; e pelo Prof. MsC Tadeu Costa, Coordenador do curso de Museologia, do ICA/UFPA). A sessão propôs o debate sobre o quão importante é preservar os patrimônios históricos, museais, que reproduzem a realidade através da memória, de objetos e fotografias.
Para Rosângela Brito, o espaço museal é considerado um “espaço de mediação da memória coletiva”, onde estão reunidos vários traços da identidade pluricultural amazônica. E ainda é o museu é “um laboratório de experimentação dos paradigmas culturais”.
Através de documentação fotográfica e coleções científicas, faz-se para Nelson Sanjad, o resgate da memória do Museu Goeldi do início do século XX. A fotografia de Ernst Lohse, pintor, desenhista, fotógrafo e litógrafo, contratado por Emílio Goeldi para registro das pesquisas, é um dos elementos de memória e de reflexão da realidade de uma época.
Fonte: Agência Museu Goeldi