Sem fronteiras ou sem bandeira?
O artigo ‘Ciência sem bandeira’ do Prof. Sérgio Colle na edição da Folha de São Paulo de 31 de janeiro provocou fortes reações do CNPq e da Capes já no dia seguinte ao da publicação, com uma nota amplamente publicizada em seus sites. O corajoso e íntegro artigo do Prof. Colle continha críticas ao Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) do Governo Federal e a nota, na forma de réplica, esclarece alguns pontos, fornece alguns dados estatísticos e afirma, categoricamente, o apoio ao CsF da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).
Mas não esclarece questões importantes que preocupam a comunidade acadêmica nacional. O CsF resultou de acertos com os países da Europa e Estados Unidos visando basicamente o estímulo à formação pós-graduada de estudantes brasileiros no exterior, a concessão de bolsas de doutorado sanduiche e pós-doutorado também nestes países, o apoio financeiro para professores e pesquisadores estrangeiros visitantes em instituições brasileiras e estágios em universidades estrangeiras para alunos de graduação brasileiros.
Todavia, ainda que a universidade brasileira esteja diretamente envolvida é um programa claramente autoritário, implantado sem a participação desta. Além disto, sendo o intercâmbio uma de suas metas, o programa não prevê a vinda de bons alunos estrangeiros possibilitando os seus doutorados no Brasil. Enfim, sendo um programa que visa a mobilidade internacional, não estimula a participação de nossos estudantes, matriculados em universidades brasileiras, em congressos internacionais, que os possibilite à vivência acadêmica com colegas do exterior.
Com este perfil genético, seria um programa muito bem vindo há algumas décadas atrás quando a formação pós-graduada no Brasil ainda se encontrava em seu estágio de pioneirismo. Hoje, graças ao trabalho e à visão dos dirigentes e funcionários de carreira de, precisamente, instituições como a Capes e CNPq, temos centros de excelência acadêmica em todo o país que nada ou muito pouco ficam a dever para seus congêneres no exterior.
Estes nichos, aqui e lá fora têm o estudante como sua força motora. E a carência de estudantes de pós-graduação nos países europeus e nos Estados Unidos é um problema conhecido e antigo, que vem se agravando e que se tornou crítico com o desenvolvimento chinês. A presença estrangeira é cada vez maior nos quadros das universidades americanas e europeias. O sucessor do Stephen Hawking em Cambridge é africano.
Na falta de estudantes chineses, de volta à China, restaram os latino-americanos, especialmente os brasileiros, agora duplamente estimulados a isto pelo dinheiro brasileiro do CsF. É louvável que o CsF estimule doutorados plenos e doutorados sanduiche com instituições parceiras. Também é louvável que o CsF estimule estágios de pós-doutorado no exterior e a vinda de pesquisadores estrangeiros como visitantes, ou mesmo em seus pós-doutorados, em universidades brasileiras.
Mas todas estas ações têm um único sentido: o caminho da submissão, do Brasil para fora. O aluno brasileiro de graduação é estimulado a passar 1 ano no exterior. Por que não estimular também o aluno estrangeiro a passar 1 ano em nossas universidades?… E os nossos estudantes de doutorado?…Por que não lhes propiciar a mesma vivência internacional dos bolsistas do CsF que estão no exterior?…Que os pesquisadores estrangeiros com dificuldades de colocação nos países centrais sejam bem vindos!…Mas o que eles terão a fazer em instituições acadêmicas sem bons estudantes, daqui ou de lá, que os apoiem em seu trabalho?…
A mobilidade, o intercâmbio e a vivência internacional de nossos estudantes, pesquisadores e professores são metas importantes para o país. O que falta no CsF é a reciprocidade.
Paulo C. Philippi é Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina e Pesquisador 1A do CNPq
Este artigo foi publicado anteriormente no Jornal da Ciência. A equipe do CIÊNCIAemPAUTA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do site.