Pesquisa aponta relação entre doença de Chagas e depressão
Receber o diagnóstico de uma enfermidade como a doença de Chagas pode causar mudanças na rotina, nos planos e no estado de espírito dos pacientes? Pode causar apatia e tristezas nos anos subsequentes ao diagnóstico da enfermidade?
Essas e outras perguntas relacionadas à doença começam a ser respondidas por pesquisadores da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) que desenvolveram estudo inédito identificando linhagens do protozoário Trypanosoma cruzi (causador da doença de Chagas), circulantes no Brasil, tipos 1 e 2.
A equipe liderada pela pesquisadora Joseli Lannes identificou que o protozoário causador da doença pode desencadear uma desordem imunológica e neuroquímica associada ao quadro depressivo entre os pacientes.
A partir do estudo, a equipe de pesquisadores da Fiocruz concluiu que a mudança de comportamento registrada nos portadores da doença se dá “a partir da incerteza do destino e do elevado percentual de incurabilidade da doença, agravados pelo baixo nível socioeconômico predominante entre os portadores da enfermidade”.
Publicado na revista científica de referência Brain, Behavior and Immunity, o estudo, cuja autora principal é Glaucia Vilar-Pereira, derruba de certa forma a tese predominante até então na literatura médica de que o transtorno recorrente entre pacientes crônicos – e que levava à depressão – era motivado por fatores psicológicos. O estudo sugere, ainda, um tratamento combinado à base de drogas já disponíveis no mercado: benzonidazol e pentoxifilina.
Segundo a Fiocruz, a ideia que deu origem à pesquisa surgiu quando Joseli Lannes realizava experimentos sobre danos cardíacos com camundongos e, ao longo do estudo, notou que alguns dos animais eram mais apáticos.
Na avaliação de Joseli uma marca inconfundível da depressão é a desistência do paciente – neste caso, do animal. “Para identificar o que estava acontecendo, utilizamos dois grupos de camundongos. Cada grupo foi infectado com cepas tipo 1 e tipo 2 de Tripanosoma cruzi. Constatamos que só o primeiro grupo apresentava imobilidade e desistência quando submetido a testes”.
A cepa tipo 1 é encontrada em todo o Brasil, com maior incidência nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Estima-se que existam dois milhões de portadores da doença de Chagas no país.
O próximo passo será estender o experimento aos seres humanos. Em breve, uma parceria entre o Laboratório de Biologia das Interações do IOC e o Ambulatório de Referência em Doença de Chagas – coordenado por Wilson Oliveira Junior e vinculado ao Pronto-Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco (Procape), da Universidade de Pernambuco (UPE) – possibilitará a realização de uma pesquisa clínica para investigar o uso da terapia sugerida pela equipe liderada por Joseli.
A proposta é realizar um estudo com a participação de psicólogos e cardiologistas, com duração prevista de dois anos, para só então testar as intervenções terapêuticas sugeridas pela equipe do IOC.
Para a especialista, se comprovada a eficácia, o protocolo sugerido poderá ser implementado nas unidades de saúde sem demora, uma vez que o benzonidazol, a pentoxifilina e a fluoxetina já estão aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponíveis no mercado.
A Fiocruz esclareceu, ainda, que o estudo contou com a colaboração do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, bem como de pesquisadores do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Laboratório de Farmacologia da Neuroplasticidade e do Comportamento, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Fonte: Agência Brasil