Indústrias farmacêuticas cobram do Brasil investimento na formação de cientistas

A injeção de recursos das multinacionais nas oito principais economias emergentes bateu recorde entre 2003 e 2010, mas a China abocanhou quase metade dos US$ 116 bilhões empregados. Brasil, com apenas um centro de inovação, recebeu pouco mais de 10%.

As multinacionais do setor farmacêutico já investiram nas economias emergentes mais de US$ 100 bilhões em menos de dez anos, num esforço para chegar aos mercados que mais crescem atualmente e aproveitar justamente as políticas de incentivo à ciência nesses países.

Mas as empresas alertam que, se o Brasil quiser ampliar mais sua participação na inovação, deve deixar de focar apenas no desenvolvimento de laboratórios estatais, como vem fazendo até agora, e colocar em prática incentivos que possam também dar espaço para o setor privado. Outra medida urgente que o Brasil deveria tomar, cobram as empresas, é ampliar a formação de cientistas.

PAÍSES ESTRATÉGICOS

Um levantamento feito a pedido da Federação Internacional de Empresas Farmacêuticas (IFPMA), entidade que reúne as maiores empresas do setor, revelou que países como o Brasil, a China e a Índia passaram a ser considerados como estratégicos pelas multinacionais. De alvo de uma verdadeira batalha por conta da política de patentes, essas nações extensas e populosas se transformaram em cobiçados alvos no que se refere às políticas de incentivo à inovação.

Entre 2003 e 2010, o volume de investimento de empresas de remédios nos oito principais mercados emergentes superou a marca de US$ 116 bilhões, um recorde. A China abocanhou quase metade desses investimentos, com US$ 49,5 bilhões, seguida pela Índia. O Brasil aparece como o terceiro maior destino de investimentos, com US$ 13,3 bilhões, superando a Rússia e a Coreia do Sul.

O estudo não deixa dúvidas de que parte do investimento ocorre justamente para permitir que as empresas estejam mais próximas do mercado consumidor, em ampla expansão nesses países. O Brasil, por exemplo, aparece como o segundo maior mercado emergente do mundo, superando até mesmo a Índia, com mais de um bilhão de habitantes, ficando atrás apenas da China.

DESCENTRALIZAÇÃO

Mas, segundo o levantamento, há também um movimento para descentralizar a produção de inovação no setor farmacêutico. Grande parte dos centros de pesquisa continua nos países ricos. Só os Estados Unidos contam com 70 deles, contra 61 na Europa. Mas, nos últimos anos, empresas também têm se lançado na abertura de centros de inovação em outros mercados.

Nos países emergentes já são 21 centros, ainda que 12 deles estejam na China. O Brasil conta com apenas um desses centros. Outra constatação é o aumento nos gastos com investimentos no setor de pesquisas. Entre 2005 e 2010, o fluxo sofreu um aumento de 10% para a Ásia e de 15% na América Latina. Já na Europa o investimento com pesquisa sofreu uma queda de 32%.

“Nos últimos anos, cresceu o número de países onde a inovação biofarmacêutica vem ocorrendo e essa tendência deve ser mantida”, afirmou Eduardo Pisani, diretor-geral da IFPMA. “Países de renda média estão se tornando cada vez mais importantes nas atividades de inovação, dos estágios mais preliminares da pesquisa até o desenvolvimento clínico”, declarou.

INVESTIMENTOS NO BRASIL

Segundo os autores do levantamento, a situação no Brasil é uma indicação do interesse das multinacionais. Os investimentos privados em pesquisa farmacêutica passaram de US$ 44 milhões em 2005 para mais de US$ 255 milhões em 2008. “Na China, na Coreia do Sul e no Brasil, os gastos com pesquisas para remédios aumentaram de forma dramática na última década”, aponta o estudo.

Parte desse dinheiro significou um maior número de empregos. Em 2003, empresas farmacêuticas privadas mantinham 913 cientistas em seus departamentos de pesquisa no Brasil. Cinco anos depois, esse número era de 1,7 mil. O número de testes clínicos realizados por empresas que tentam trazer ao mercado novos produtos explodiu. Em 2007, 198 testes ocorreram no Brasil; em 2010, esse número subiu para 346. Junto com a China, o Brasil encabeça a lista dos países emergentes com maior número de pesquisas clínicas.

O levantamento também mostra como o número de artigos científicos por médicos e pesquisadores brasileiros sofreu uma elevação importante. No total, 12,1 mil artigos foram publicados entre 2007 e 2009, 3 mil a mais que entre 2004 e 2006.

ESTÍMULO MAIOR ÀS ESTATAIS É CRITICA

O levantamento da Federação Internacional de Empresas Farmacêuticas (IFPMA) alerta para obstáculos que ainda existem na estratégia brasileira de desenvolvimento de inovação. O maior problema no Brasil, segundo o estudo, é o fato de as políticas de incentivo ainda estarem concentradas de uma forma desproporcional no desenvolvimento de empresas estatais, sem considerar o potencial de promover empresas privadas de forma simultânea.

Para as multinacionais, o Profarma tem sido um passo inicial positivo. Elas apontam que, numa primeira fase, US$ 1 bilhão já foi destinado ao setor. Além disso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) multiplicou por dez o valor que destina à pesquisa e hoje representa 60% de todo o investimento sul-americano.

Mas a queixa do setor é de que grande parte dos recursos vai para estatais. “Inovação é parceria. Ficando apenas em um setor, haverá menos chances de se obter um sucesso (na estratégia)”, afirma a IFPMA.

Mesmo tendo recebido US$ 13 bilhões em investimentos, o levantamento mostra que o volume representa uma fração do que as empresas do setor ganham no mercado nacional. A falta de uma estratégia de cooperação explicaria o fato de existir apenas um centro de inovação privado no País, contra 70 nos EUA.

Outro problema é a falta de cientistas capacitados no País. A realidade é que o Brasil está distante da China, onde já são 53 mil cientistas trabalhando apenas na produção e pesquisas de remédios. Na Coreia do Sul, são 31 mil, 15 vezes mais que no Brasil. Para as multinacionais, esse é um dos entraves no desenvolvimento de pesquisa e freia investimentos de empresas. Para mostrar o déficit nessa área, o levantamento revela que a qualidade do ensino de ciência no País está abaixo da média.

 

Fonte: O Estado de São Paulo