Relatório europeu propõe limites para drogas cognitivas
A necessidade de se regular o uso de certas drogas e tecnologias que melhoram o desempenho do indivíduo foi tema de alerta de instituições europeias, que lançaram, na última quarta-feira (7), o relatório “Aprimoramento humano e futuro do trabalho”. Assinado pela Royal Society, assim como pelas academias britânicas de medicina e engenharia, o documento destaca o uso indiscriminado, por exemplo, das chamadas drogas cognitivas, que aumentam a memória e a atenção. Remédios caros, acessíveis a poucos, mas usados cada vez com maior frequência por uma parcela de estudantes antes de concursos, principalmente nos EUA, eles levam à discussão sobre os limites éticos do “doping do cérebro”.
Segundo o relatório europeu, remédios desenvolvidos para tratar transtornos psicológicos, como o de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e a narcolepsia, têm sido utilizados por pessoas saudáveis com o objetivo de melhorar o desempenho em determinada atividade. Alguns exemplos citados no documento foram os compostos Adderall, Modafinil e Ritalina, os dois últimos comercializados no Brasil. Eles acreditam que fórmulas para pacientes de Alzheimer ou esquizofrenia também serão usadas para aumentar as funções cognitivas.
“Elas podem influenciar nossa capacidade de aprender e realizar tarefas, aumentar a nossa motivação, nos permitir trabalhar mais, em condições extremas e até na velhice”, explicou ao jornal britânico “The Guardian” Genevra Richardson, professora do King’s College de Londres e representante do comitê responsável pelo relatório.
Genevra ainda propôs a discussão para além das questões médicas. “Apesar de as tecnologias de aprimoramento humano garantirem benefícios à sociedade, seu uso no trabalho levanta questões de ordem ética, política e econômica, que merecem ampla consideração. Elas incluem como o público enxerga estas tecnologias, quais são as suas consequências a longo prazo para o indivíduo e quem paga por isso. Se são os próprios indivíduos que pagam, então isto tornaria os ricos mais inteligentes”, disse.
QUESTÕES ÉTICAS E DE SAÚDE EM DISCUSSÃO
Enquanto o debate sobre regulação trabalhista é visto como mais relevante pelos europeus, os especialistas brasileiros apontam os prejuízos para a saúde e a discussão ética de se tirar vantagem com estes medicamentos como as questões mais importantes. Professor do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp e especialista em Bioética, Flávio César de Sá lembra que estas drogas ainda são caras e pouco acessíveis aqui no País.
“Este ainda não é um problema tão sério como nos Estados Unidos e na Europa, mas com certeza vai ser. Isto vai acontecer à medida que houver maior disponibilização das drogas, que logo poderão chegar ao mercado negro”, aponta César de Sá. “É uma discussão ética e moral se a sociedade vai aceitar este comportamento. Eu acho errado. A partir disto, veríamos como seria a regulação: não poderia haver venda livre e estar disponível como qualquer outra droga. Além disso, o mercado paralelo deveria ser fortemente reprimido”, alertou.
FALTA DE ESTUDOS
O especialista afirma ainda que poucos estudos foram realizados para apontar quais os riscos destas drogas para a saúde “Ninguém sabe ainda quais são seus efeitos em uso prolongado e quais suas consequências no cérebro de pessoas que as utilizam para fins diferentes dos prescritos. Que há dependência química, isto sem dúvida, como qualquer outra droga que melhora a performance”.
Presidente da Sociedade de Bioética do Estado do Rio e pesquisador da Fiocruz, Sergio Rego compara a prática com o doping no esporte.
“Seria ético fazer doping para aumentar a performance intelectual? Acho que não. Uma sociedade competitiva como a nossa já tem esta cultura de aprimoramento humano e aumento de desempenho enraizada. Isto vai desde o uso de um simples óculos para melhorar a visão ao doping por atletas. Então não é de se estranhar o uso deste recurso das drogas cognitivas. Mas além da discussão ética, há a questão da saúde: antes as drogas que prometiam melhorar a atenção, como o ginkgo biloba, não eram tão nocivas. Agora o terreno é muito mais perigoso”, comentou Rego.
Fonte: O Globo, por Flávia Milhorance