Grupo internacional usa genética para estudar povos andinos

Durante a pesquisa foi recolhida saliva de 388 indígenas para exame de DNA – e indicam que eles têm ancestralidade paterna e materna bem diferente dos aimarás e quéchuas. Foto: Reprodução

Livros que contam a história do Brasil e de países da América do Sul podem mudar em breve seu conteúdo. Pesquisas sobre a ancestralidade dos povos indígenas que hoje habitam essas terras têm revelado, por meio de investigação genética, a misteriosa identidade dessas populações.

Além dos índios brasileiros, o passado de povos do Peru e da Bolívia é objeto de estudo de um grupo de pesquisadores internacionais, coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O mais recente trabalho, com 388 indígenas peruanos e bolivianos, fez uma descoberta sobre os antepassados dos uros, etnia que habita os Andes e vive às margens de rios e do Lago Titicaca.

As amostras do material genético – foi recolhida saliva dos 388 indígenas para exame de DNA – indicam que eles têm ancestralidade paterna e materna bem diferente dos aimarás e quéchuas, etnias indígenas predominantes no altiplano andino.Com o estudo, os pesquisadores puderam constatar que, diferentemente do que se defende por parte da população dos países andinos, a etnia dos uros do Titicaca não se extinguiu na década de 1950, quando os últimos falantes da língua original (uruquilla) morreram.

“Há quem diga que eles (os uros) são farsantes e que se apropriaram dos costumes dos ancestrais dessa etnia para lucrar com a venda de artesanato e com o turismo”, afirma o professor de genética do Departamento de Biologia da UFMG, Fabrício Santos, coordenador da pesquisa.

Segundo ele, apesar da extinção da língua, as comunidades de uros mantêm hábitos de seus antepassados, como as danças, as casas flutuantes e as embarcações de totora, uma espécie de planta aquática usada tradicionalmente para a construção desses barcos e de ilhas flutuantes do Lago Titicaca e em praias do Peru.

Na Bolívia, os uros já são reconhecidos pelo governo daquele país, mas no Peru eles ainda lutam pelo reconhecimento legal, apesar de manter costumes de mais de 3 mil anos, segundo o professor. Para ele, a pesquisa sobre ancestralidade, somada aos esforços de outros pesquisadores e antropólogos, é um avanço para que a etnia dos uros seja devidamente reconhecida.

HISTÓRIA REVISATADA

Pela ótica da genética é possível revelar dados históricos da América do Sul, que mostram que esta região é mais antiga do que a relatada sob o ponto de vista da chegada dos europeus na América Latina. “Os livros de história têm um viés muito grande com a colonização, há 500 anos. Esse processo, na verdade, pode ser anterior a 500 gerações, ou seja, cerca de 14 mil anos atrás”, diz o professor Fabrício Santos.

Ele defende que a identidade de todos os povos indígenas está diretamente ligada ao passado, à história de ocupação das regiões por seus ancestrais.

Também participante da pesquisa, o diretor do Centro de Genética e Biologia Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de San Martín Porres, no Peru, professor Ricardo Fujita, destaca a relevância do estudo para seu país.

A descoberta, descrita no artigo The genetic history of indigenous populations of the peruvian and bolivian altiplano: The legacy of the uros, será finalizada em 2014. A partir daí, novas pesquisas arqueológicas, que usam o DNA como ferramenta, vão dar continuidade ao projeto, financiado pela National Geographic e pela IBM.

As pesquisas têm o objetivo de reconstruir a história do povoamento do planeta pela espécie humana por meio de análises genéticas. São 10 centros de pesquisa espalhados pelo mundo, sendo que um deles, o Centro de Pesquisa da América do Sul, está localizado na UFMG.

Fonte: Estado de Minas