Gameterapia ganha adeptos no Brasil; pesquisas focam aprimoramento de técnica

Já se foi o tempo em que videogame era apenas um brinquedo de criança. Nos dias de hoje, eles já são usados até mesmo em hospitais e ajudam na recuperação de pacientes em reabilitação. Especialistas defendem que o uso dos consoles, além de entreter e divertir os pacientes, auxiliam na recuperação da concentração e da coordenação motora. Ainda recente no Brasil, a gameterapia ou Wiireabilitação está ganhando adeptos em hospitais, clínicas de fisioterapia e até em clubes esportivos.

Na casa de apoio do Hospital Mário Penna, em Belo Horizonte, um aparelho Xbox 360 também deixou de ser considerado apenas um brinquedo e virou um grande aliado para adultos e crianças. De acordo com o gerente da casa, Hélio Martins de Paula, o videogame ajuda os pacientes a passar pela fase de tratamento de uma forma menos dolorosa. Segundo ele, tanto os adultos quanto as crianças que estão temporariamente hospedadas na casa para tratamento de câncer aderiram ao brinquedo doado pela Microsoft. “O videogame é muito prestigiado pelo público da casa, tanto as crianças quanto os adultos. Além da diversão, o brinquedo tem a função motora e estimula os pacientes a se movimentarem, o que é bom para a recuperação deles”, afirma.

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O paciente André Pereira Mota, de 28 anos, conta que a casa – onde hoje estão 40 adultos e cinco crianças – ficou mais alegre desde a chegada do videogame. Há seis meses no local, o jovem – que enfrenta um linfoma axilar, um tipo raro de câncer nas axilas – diz que os jogos mais disputados pelos moradores são os de aventura e dança. “É uma terapia e me ajuda a passar o tempo e evitar o estresse. Quando estou jogando, não fico com a mente vazia, me distraio e ainda faço exercícios físicos” conta. O paciente, que é da cidade mineira de Nanuque e faz radioterapia, está perto de concluir o tratamento e deve deixar em breve a rotina de jogos e brincadeiras com os demais moradores da casa de apoio. Mas até lá, André não abre mão, nem um dia sequer, dos jogos de esporte e aventura com os outros pacientes.“Em março eu termino a radioterapia e vou embora, mas, até lá, não abro mão do brinquedo, pois ele nos ajuda muito. É como se, por alguns momentos, a gente se esquecesse que está enfrentando uma doença tão dolorosa”, concluiu.

Games também são usados em clínicas de recuperação

O uso de games também pode ser adotado em consultórios médicos, ou no processo de recuperação das funções motoras de pacientes em fisioterapia e atletas. É o que explica Esperidião Elias Aquim, chefe do setor de fisioterapia do Hospital VITA Curitiba. “O uso de videogames é um grande parceiro da fisioterapia, pois dá força muscular, melhora o equilíbrio, ajuda no condicionamento físico e ainda melhora nas habilidades motoras do paciente”, afirma.

Aquim é médico do hospital Vita, pioneiro no uso da chamada gameterapia no Brasil. A prática foi implantada na instituição em 2009, com o uso do Nintendo Wii, primeiro videogame com sistema específico para captar os movimentos do corpo. De lá para cá, a gameterapia já foi indicada para quase dois mil pacientes do hospital e os resultados, segundo o médico, são surpreendentes. “O grande desafio dos hospitais é entregar o paciente para a sociedade com maior funcionalidade e independência possível, para que ele possa voltar à sua vida normal. Os pacientes submetidos ao tratamento com videogames ficam mais motivados e interessados nas sessões, o que melhora percepção deles em relação à recuperação e evolução do tratamento”, detalha o médico. Segundo Aquim, em 25 anos de carreira, ele nunca conheceu um tratamento que despertasse tanto interesse e bem estar aos pacientes.

A experiência do hospital tem dado certo e foi apresentada no Congresso brasileiro de medicina intensiva. Um levantamento feito pelos médicos do hospital apontou que cerca de 60% dos pacientes que aliaram a fisioterapia à gameterapia tiveram melhora na força muscular em apenas três dias de tratamento. Em um outro grupo que fez somente a fisioterapia convencional, o resultado foi de apenas 30%. 

Gameterapia no Brasil ainda é desafio

Apesar de já ter conquistado profissionais e pacientes em vários países do mundo, a gameterapia ainda não ganhou a adesão das empresas de jogos no Brasil. De acordo com Fernando Vanderline, fisioterapeuta e integrante da associação mundial Games4Rehab, a mobilização no país ainda é tímida, mas tem potencial e interesse para alcançar os níveis mundiais. “No Brasil, temos empresas que desenvolvem games específicos parareabilitação física, mas ainda é um mercado não tão valorizado”, afirma o pesquisador, ao fazer uma comparação com outros países. “Nos Estados Unidos, temos uma média de US$8 milhões investidos pelo governo por ano para desenvolvimento e estudo sobre jogos para saúde. A associação americana de cardiologia que apoia e o exército do país faz uso dos games também. “Na Europa, o exemplo do sistema de saúde do Reino Unido apoia publicamente a utilização de games como uma forma de manter a saúde. Inclusive o próprio governo já fez doações de Nintendos Wii a instituições nesse país”, completa Vanderline.

Também nos Estados Unidos, a empresa de games “Blue Marble Co.” se especializou em jogos que podem ser utilizados em computadores e tablets, além de outros tipos de videogame. A empresa também possui projetos de jogos para reabilitação cognitiva, que estão sendo desenvolvidos com base em pesquisa nos EUA, no Iraque e no Afeganistão. No Reino Unido, a professora de neurociência da universidade Janet Eyre, da Universidade de Newcastle,criou juntamente com seus alunos um jogo de videogame chamado de “Circus Challenge”, para ajudar vítimas de derrame cerebral. Com atividades relacionadas a apresentações de circo, o jogo trabalha as funções motora dos pacientes e ainda interagem de forma lúdica com o tratamento. Para desenvolver o projeto, que teve suporte da empresa Limbs Alive, a pesquisadora trabalhou como o mesmo princípio do jogo da Microsoft, pelo qual um sensor é utilizado para captar os movimentos do jogador e reproduzir na tela do jogo.

Para o fisioterapeuta, os desafios para se desenvolver jogos para reabilitação são a necessidade de vários profissionais envolvidos e os inúmeros detalhes que precisam ser cuidadosamente avaliados. Durante a criação de um jogo, é necessário que profissionais de saúde trabalhem diretamente aos profissionais da computação para que o jogo esteja adequado às necessidades de cada paciente. “A equipe desenvolvedora de um game para saúde deve ser interdisciplinar. Os jogos que participo, por exemplo, sempre contam com auxílio de profissionais da saúde e computação. Cada detalhe é importante, desde cores, música, mensagens, movimentos, tempo do jogo, dificuldade, personagens, pois tudo influencia no auxílio à pessoa que vai praticar o jogo de forma a reabilitar. Um exemplo simples é retirar dos jogos qualquer tipo de mensagem negativa que possa vir a desmotivar o paciente em reabilitação, como o sistema de ganhador x vencedor”,conclui.

A falta de jogos específicos no Brasil afeta, principalmente, pessoas com mobilidade reduzida. De acordo com Hélio Martins de Paula, do Mário Penna, há uma grande dificuldade para encontrar jogos e atender os pacientes cadeirantes que frequentam a casa. “Precisamos dos jogos para que eles também possam usufruir e se beneficiar, mas tem sido muito difícil encontrar atividades que se adequem às necessidades deles”, diz. Segundo Aquim, do Hospital VITA Curitiba, à medida em que o mercado brasileiro de games for de empenhando em suprir esta demanda a prática vai abranger outras instituições e ganhar novas funcionalidades. “É uma prática que tende muito a crescer, mas depende de se desenvolver pesquisas e materiais específicos para cada tipo de paciente, para que todos possam ter acesso e, assim, chegar à popularização da reabilitação com games”, explica.

 

Fonte: Estado de Minas, por Júnia Brasil