FHAJ possui Centro de Referência pioneiro no tratamento de doenças raras
CIÊNCIAEMPAUTA, POR MIRINÉIA NASCIMENTO
Você já ouviu falar em Mucopolissacaridoses ou simplesmente, MPS? Trata-se de um grupo de sete doenças decorrentes de defeitos genéticos (mutações) específicos que diminuem a atividade de enzimas, produtos naturais reguladores do metabolismo celular. As deficiências enzimáticas causam o armazenamento dentro das células de produtos denominados glicoaminoglicanos ou GAGs. O acúmulo progressivo dessas substâncias danifica células e tecidos, prejudica o funcionamento de múltiplos órgãos e sistemas, além de comprometer o crescimento e o desenvolvimento de todo o organismo.
Os pacientes, sejam meninos ou meninas, não apresentam traços da MPS ao nascimento, porque estes dependem da quantidade de GAGs acumulados. Na medida que o tempo transcorre, as manifestações clínicas vão se tornando cada dia mais evidentes. Os sinais típicos incluem fácies dismórfica (deformações da face), disostose múltipla (alterações ósseas e articulares), limitação dos movimentos articulares e comprometimento da postura e da mobilidade, crescimento estatural lento e baixa estatura, aumento do volume do fígado e do baço e hérnias abdominais. As infecções das vias aéreas e dos ouvidos, com perda da audição, são frequentes.
O comprometimento progressivo do aparelho cardiovascular é o responsável pela alta taxa de mortalidade em idade precoce. Dependendo do tipo e subtipo da MPS, a opacificação da córnea diminui a acuidade visual e o comprometimento do sistema nervoso central pode levar à perda cognitiva. O envolvimento é multissistêmico, polimórfico, de curso crônico e progressiva e em diferentes graus de severidade.
“São doenças raras, de fato, com incidência estimada entre dois a cinco casos para cada 100 mil crianças nascidas vivas”, informou o Professor Doutor José Maria Cabral, médico endocrinologista, idealizador e responsável pelo Centro de Referência em Diagnóstico Clínico e Tratamento das Mucopolissacaridoses em Manaus (CDT-MPS), instalado na Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ). Para ele, o número reduzido de casos diagnosticados está relacionado à relativa falta de informações sobre a doença entre o público leigo e entre muitos profissionais de saúde.
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O serviço do CRT-MPS, pioneiro na rede pública de saúde de Manaus, nasceu em 2005, quando o primeiro caso da doença foi diagnosticado na capital. Foto: Assessoria da FHAJ
O serviço do CRT-MPS, pioneiro na rede pública de saúde de Manaus, nasceu em 2005, quando o primeiro caso da doença foi diagnosticado na capital, embora duas pacientes atendidas em Porto Alegre já iniciavam o tratamento enzimático. “Criamos o serviço e começamos a atender na Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHemoam). Em 2008, devido à necessidade de tratar um número maior de pacientes com uma equipe de enfermagem treinada e exclusiva, e a conveniência de dispor dos recursos de um hospital geral para atender eventuais complicações da doença e assim a FHAJ passou a sediar o serviço”, pontuou o Doutor Cabral.
O CDT-MPS conta com o trabalho de um grupo de profissionais que vem se dedicando em prestar assistência médica aos doentes, fazer o aconselhamento genético, informar a população sobre a doença e capacitar profissionais para a suspeita clínica, os meios laboratoriais necessários à confirmação do diagnóstico e o manejo adequado da terapia de reposição enzimática.
Segundo o médico responsável, que hoje dedica parte de seu tempo à pesquisa e ao estudo dessa classe de doenças classificadas como Erros Inatos do Metabolismo, já foram registrados cerca de vinte casos no Amazonas.
Atualmente, dez pacientes recebem semanalmente a infusão venosa das enzimas específicas, acompanhados por uma equipe multidisciplinar composta pelo médico, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Outro paciente está em tratamento no Hospital Deoclécio dos Santos, no Careiro-Castanho (distante 103 quilômetros e Manaus), sob os cuidados de profissionais daquela instituição treinados no CDT-MPS.
A coordenadora do CDT-MPS, enfermeira da FHAJ, Joseleide Almeida, envolvida no serviço desde a sua fundação, informou que mais dois casos da doença foram identificados em Manaus e Manacapuru (84 quilômetros de distância da capital). Joseleide explica que “após a confirmação laboratorial da doença, inicia-se o processo para a aquisição da medicação no exterior, por ação do poder público representado pelo Governo Federal ou Estadual, considerando o alto custo das enzimas”. Ainda segundo a enfermeira, “o tratamento é caro e só é possível pelo apoio integral que recebemos da direção da FHAJ e de seus funcionários”.
Outra ajuda destacada pela coordenadora são as doações provenientes da Associação Paulista de Mucopolissacaridose e Doenças Raras (APMPS), uma rede nacional privada dirigida por Regina Próspero e criada para dar apoio a essas organizações existentes nos estados brasileiros.
DESCONHECIMENTO DA POPULAÇÃO ATRAPALHA TRATAMENTO PRECOCE, AFIRMA O MÉDICO
Doutor Cabral enfatiza que a falta de esclarecimento da população e o pouco conhecimento de alguns profissionais de saúde sobre a doença leva ao subdiagnóstico e à subnotificação, desfavorecendo o tratamento precoce. “É uma doença pouco conhecida, sendo muito provável que existam outras crianças, adolescentes e até adultos sem o diagnóstico. Isso não é só em Manaus, é no mundo inteiro”. Ele ressalta que oftalmologistas, pediatras, ortopedistas, nefrologistas, pneumologistas, entre outros especialistas devem ficar atentos aos sintomas e sinais da doença.
David Araújo da Silva, atualmente com 35 anos de idade, soube ser portador de um dos tipos de MPS há quatro anos e, desde então, faz o tratamento na Fundação. Segundo ele, os primeiros sintomas apresentados foram às fortes dores nas pernas que já estavam impedindo-o de caminhar. Após uma queda, Silva ficou hospitalizado por cinco meses sem que os médicos descobrissem a doença. “Fui encaminhado ao Dr. Cabral e descobrimos que eu tinha a doença. Atualmente, devido o tratamento os sintomas estão controlados e já não sinto as fortes dores nas pernas”, salientou.
De acordo com o médico, desde que iniciou esse serviço a equipe participa de eventos científicos, nacionais e internacionais, que reúnem especialistas do mundo inteiro para debaterem sobre as doenças, meios de diagnóstico, tratamento e complicações. Cabral também faz o trabalho de divulgação da doença por meio de palestras realizadas nas universidades do Amazonas e em outros estados do Brasil, informado inclusive a existência do CDT-MPS para que os médicos possam encaminhar as crianças com suspeita de MPS.
“Estamos tentando fazer com que a MPS fique cada dia mais conhecida e que possamos atender a um número maior de portadores dessa classe de enfermidades genéticas, porque existe a possibilidade de tratá-los com medicamentos e melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, finalizou.
Saiba quais os tipos, sintomas, como é feito o diagnóstico e o tratamento das MPSs clicando aqui.
CIÊNCIAemPAUTA, por Mirinéia Nascimento