‘A Amazônia não é uma coisa só’

Marcelo Minghelli, Maria Olívia Simão, Sergio Luz, Josimar Ferreira e Tania Araujo Jorge. Foto: ABC

Com pouco mais de 77 mil habitantes, Cruzeiro do Sul é a segunda maior cidade do Acre e conta com apenas dois professores de física e um de química no ensino básico. A informação parece absurda, mas é reflexo da realidade da Região Norte, que torna a formação e fixação de doutores na Amazônia um verdadeiro desafio a ser superado. O assunto foi discutido durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Rio Branco, capital acriana.

O cenário nacional não facilita a situação. Conforme informou a coordenadora da sessão, professora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Tania Araujo Jorge, 45% dos brasileiros não têm ensino fundamental completo e 6% não têm instrução alguma. Nesse contexto, a formação de formadores torna-se um problema. “A licenciatura em áreas como química, física e biologia está em extinção”.

O ingresso de alunos nessas áreas não aumenta, e isso se deve em parte ao baixo salário pago aos professores, o terceiro pior no ranking de 40 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Diante desse quadro, a Amazônia, que representa mais de 50% do território brasileiro, tem pouco mais de quatro mil doutores. Comporta quase 14% da população, responde por 10% do PIB do País, mas sua participação no orçamento de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) é de menos de 5%.

“Dentro da Amazônia há suas próprias disparidades”, afirmou Josimar Ferreira, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Acre (Ufac), que tem nove cursos de pós-graduação, sendo apenas um de doutorado. “É preciso mais investimentos. Não adianta pensar em um paradigma único, tem que analisar especificamente essa região”.

Ferreira apontou que, para a região não passar mais uma década sem mudanças, é preciso ter políticas públicas direcionadas. Iniciativas como a Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte) são importantes, mas deve-se ir além. “Construir infraestrutura na Amazônia é bem diferente de no Sul e Sudeste. Temos que induzir a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] a formar programas. Tem o deslocamento, os custos operacionais, é preciso sensibilidade”.

POUCOS DOUTORES, POUCA ESTRUTURA

Josimar Ferreira brincou que a melhor política de doutores foi o casamento, pois muitos acabaram se instalando na região porque se casaram. Lamentou, no entanto, o fato de o recém-doutor chegar com uma expectativa e não encontrar uma estrutura mínima de laboratório. Ele assumiu a pró-reitoria com um problema: a Ufac precisa implantar outro programa de doutorado até 2016, para continuar com o status de universidade.

Dos quatro mil doutores da região, muitos não estão vinculados com a pesquisa ou estão em processo de aposentadoria, o que piora a situação. Por conta dessa carência, a maioria das vagas das universidades e institutos de pesquisa precisa ser preenchida por docentes e pesquisadores que têm o título, no máximo, de mestre.

Ferreira informou que o custo da formação de um doutor é de aproximadamente R$ 300 mil, considerando a bolsa do doutorando e do substituto, para quando aquele se ausentar. “Precisamos uma política clara de incentivo nos primeiros cinco anos, com base no mérito científico de propostas de pesquisa. Esse programa custaria em torno de R$ 36 milhões para começar”.

PROBLEMA OU OPORTUNIDADE?

Para Sergio Luz, pesquisador do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD), da Fiocruz Manaus, o foco não deve ser a fixação de doutores na região, pois isso sempre será difícil. O importante é formar as próprias pessoas de lá. “É através da iniciação científica que vamos conseguir levar pessoas ao doutorado”.

Luz acredita que uma boa alternativa é buscar pesquisadores seniores que, de tempos em tempos, deixem o instituto em que trabalham para ir até a região amazônica orientar um grupo. “Você não vai trazer um pesquisador com a vida estabelecida no Rio de Janeiro ou em São Paulo para vir morar no Acre. Mas ele pode vir passar uma semana com os alunos e depois voltar. A Fiocruz fez isso no ano passado”.

Ele comemorou que, apesar das dificuldades, os resultados são positivos. “Em 2013 fomos o instituto da Fiocruz com a maior média de artigos por doutores.” Então, questionou: “O número baixo de doutores da Amazônia é um problema ou uma oportunidade?”.

A diretora-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), Maria Olívia Simão, acrescentou que o principal ingrediente para transformar o problema em oportunidade é a sinergia e trabalho integrado. “Nem tudo é função de uma única instituição.” Para Simão, o quadro é otimista, pois, entre 2000 e 2010, houve um crescimento de 323% no número de grupos de pesquisa e de 445% no número de doutores na Amazônia. Em dez anos, a Fapeam concedeu 25.122 bolsas, sendo 1.175 de doutorado e 2.443 de mestrado”.

Em relação ao problema da aposentadoria compulsória, ela afirmou que, na Amazônia, não é possível “se dar ao luxo” de perder massa crítica ainda produtiva, quando ainda há interesse do pesquisador. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), cerca de 50% dos pesquisadores se encaixam nesse quadro. Outra prioridade é a formação de recursos humanos pós-graduados para o interior dos Estados da região.

A Fapeam criou diversos programas para tentar solucionar os problemas da região, como o Programa de Apoio à Pós-Graduação Strictu Sensu, Programa de Apoio à Publicação de Artigos Científicos (com 32 projetos aprovados) e o Programa de Apoio à Excelência Acadêmica (o aluno que consegue publicar ganha um adicional na bolsa). “Tem que haver mais instituições e mais pessoas com condições de trabalhar na Amazônia”, concluiu Simão.

Fonte: Academia Brasileira de  Ciências