ARTICULISTAS
* Patrícia Sampaio
Sou professora e pesquisadora há tempo suficiente para saber a importância que a divulgação científica tem na sustentação de nosso trabalho. Mas, ainda hoje, me assusto com o que vejo (e, especialmente, com o que não vejo) na imprensa sobre o que é feito nas universidades e centros de pesquisa brasileiros. São muitos os equívocos e os silêncios. Afinal, estamos falando de pesquisa feita, majoritariamente, com recursos públicos. Tornar seus resultados conhecidos é mais que obrigação nossa; é compromisso político. Além do empenho dos pesquisadores, a divulgação científica demanda a participação dos profissionais da comunicação para que tal tarefa seja cumprida.
Pensando nisso, lembrei-me de Pandora, a primeira mulher do mundo, criada pelos deuses perfeita e bela. Ela foi a resposta de Zeus a uma ação imperdoável: Prometeu furtou o fogo do Olimpo, compartilhou-o com os homens e, por isso, foi condenado a ter o fígado devorado eternidade afora. Mas, não era só. Veio Pandora, responsável pela guarda da caixa (na verdade, um jarro) que nunca deveria ser aberta. Mas nunca pode ser muito tempo, a caixa foi aberta (claro) e todos os males se espalharam pela terra.
A luta entre saber e não-saber
Mitos são bons para pensar. Parece que Zeus não abria mão da prerrogativa de definir o momento certo para partilhar o conhecimento divino. Prometeu adiantou as coisas e se deu mal. A humanidade ganhou o fogo, mas ele ficou sem o fígado. Se esta tensão Zeus/Prometeu acontecesse em nosso tempo, talvez fosse o caso de chamar um escritório de patentes ou fazer uma publicação qualis A, distribuindo os méritos entre 1º e 2º autor. Parece mais razoável que acorrentar o sujeito ao Cáucaso entre abutres… Enfim, não vou entrar nesta peleja. Interessa-me dar uma olhada na caixa/jarro. Afinal, o que tinha lá?
Dizem que Pandora libertou todas as angústias que afligem a humanidade. Não pude deixar de pensar que o combate à dor, ao sofrimento e à morte é uma das mais importantes batalhas da ciência. Assim, se o conteúdo da caixa era, de certo modo, a antítese da felicidade humana, o conhecimento talvez seja uma das melhores armas neste confronto. Aqui também há outra importante frente de luta que é contra o não-saber, isto é, contra a ignorância que gera preconceito e intolerância, permanentes fontes de dor.
A caixa de Pandora talvez merecesse uma espécie de chave. Algo capaz de traduzir a natureza e o alcance dos males humanos vistos por meio dos olhos daqueles que dedicam a vida a compreendê-los e explicá-los, comprometidos nesta guerra sem fim contra o desconhecido. Quem fala sobre ciência e da ciência precisa ter a dimensão das batalhas que estão sendo travadas, dos interesses em jogo, do que ainda está por vir e, principalmente, não esquecer daqueles que têm o direito de saber o que está sendo produzido para tornar, de alguma maneira, sua vida melhor, mais digna e justa. Não há lugar para improvisos porque o resultado pode ser irreparável. O que ainda somos obrigados a ler sobre a Amazônia é exemplo suficiente. Esta é uma luta da ciência e pela ciência da qual não podemos abrir mão. É bom lembrar que no fundo da caixa de Pandora ficou a esperança, ou seja, aquilo que ainda podemos aprender para vencer, coletivamente, tamanho desafio.
A equipe do CIÊNCIAemPAUTA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do site.