A salvação do mar vermelho… de novo…
Apesar do apelo que os remédios – esses que vêm em caixinhas com bulas – exercem sobre muita gente, os chazinhos e outros medicamentos caseiros ainda possuem muitos adeptos. Uma das boas razões para isso é que muitos desses remédios caseiros são… eficientes! Na maior parte dos casos, quem receita não tem ideia de como o remédio funciona, principalmente porque esse conhecimento é passado dos mais velhos para os mais novos, no âmbito de famílias, comunidades locais e povos indígenas. Naturalmente, isso não invalida o lado terapêutico do conhecimento, mas não deixa de ser interessante observar que em muitos casos, ainda que tardiamente, a ciência desvenda o mecanismo de funcionamento desses medicamentos caseiros.
Como a ciência deu a si mesma a prerrogativa de chancelar as outras formas de conhecimento como legítimas, ou não, seu reconhecimento da eficácia de um medicamento de uso tradicional acaba sendo relevante para muita gente. Como isso acontece muitas vezes, não é possível ignorar que o conhecimento tradicional tem seus métodos de investigação e esses são eficientes.
Agora está na vez do cranberry. Essa frutinha, usada pelos índios norte-americanos para prevenir e tratar infecções urinárias, já vem tendo esse seu uso terapêutico disseminado. Instigados por esse uso tradicional, vários pesquisadores começaram a examinar e a testar o cranberry e até o momento havia uma grande controvérsia entre médicos e cientistas, alguns convencidos do poder de prevenção e cura do cranberry e outros que recomendavam cautela diante da falta de evidências terapêuticas definitivas.
Esse cenário está prestes a mudar. Dois estudos, recém publicados, ambos da equipe liderada pela pesquisadora Nathalie Tufenkjy, do Departamento de Engenharia Química, da Universidade McGill, no Canadá, mostram o mecanismo pelo qual o cranberry age protegendo o trato urinário e fazendo com que bactérias responsáveis por infecções urinárias produzam menos urease, uma enzima que aumenta a virulência das infecções.
A proteção ao trato urinário se dá porque o cranberry atrapalha a mobilidade das bactérias, o que é essencial para a infecção se espalhar. No caso, por exemplo, da Escherichia coli, uma bactéria comumente envolvida em infecções urinárias, o mesmo grupo de pesquisadores mostrou, num artigo anterior, com uma análise de seu genoma que na presença de cranberry, a expressão do gene responsável pelo flagelo da bactéria é diminuída. Ou seja, quando há cranberry, muitas bactérias não desenvolvem aquele “rabinho” que permite sua mobilidade.
Um dos artigos recém publicados trata do efeito do cranberry sobre outra bactéria envolvida em infecções urinárias, a Proteus mirabilis e o outro, da incorporação do cranberry em materiais médicos e alimentares de silicone com a finalidade de inibir infecções bacterianas.
Enfim, como funcionava, acho que os índios não sabiam, mas que funcionava e bem, eles sabiam…
* Nurit Bensusan é bióloga e escreve para o blog Nosso Planeta do jornal O Globo.