Antropólogo forense busca parâmetros para análise de ossadas
Boa parte da rotina dos cientistas forenses é dedicada a identificar pessoas – sejam elas vítimas de acidentes, desaparecidos, suspeitos de crimes ou, simplesmente, cadáveres desconhecidos.
Embora o exame de DNA seja um importante aliado nesse trabalho, não é a única ferramenta disponível. Em determinados casos, a análise dos ossos pode trazer pistas ainda mais valiosas e fundamentais para desvendar o enigma.
“De que adianta avaliar o DNA de uma ossada encontrada em um cemitério clandestino se não houver um suspeito para comparar?”, disse Marco Aurélio Guimarães, responsável pelo Laboratório de Antropologia Forense do Centro de Medicina Legal (Cemel) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), onde se depara cotidianamente com esse tipo de situação.
“Nesses casos, buscamos determinar, pela morfologia dos ossos, o sexo da vítima, sua ancestralidade (caucasiana, africana, asiática ou indígena), faixa etária, estatura e até mesmo a destreza manual. Também buscamos marcas de cirurgias, de traumas ou alterações anatômicas de nascença que facilitem o reconhecimento. Esse perfil é então divulgado na expectativa de encontrar familiares que possam fornecer mais informações e, eventualmente, uma amostra de DNA para a comparação”, disse Guimarães.
Segundo ele, são poucos os distritos do país que contam com peritos treinados para fazer essa análise bioantropológica. Além disso, não há uma metodologia uniforme e bem estabelecida no Brasil. O protocolo usado no Cemel foi desenvolvido por Guimarães há cerca de oito anos em parceria com cientistas da Universidade de Sheffield, no Reino Unido.
“Para determinar o sexo, por exemplo, usamos principalmente os ossos do crânio e da pelve. Selecionamos os parâmetros morfológicos mais confiáveis da literatura científica e avaliamos se há mais características masculinas ou femininas presentes. No caso da estatura, tomamos como base a medida de ossos longos e usamos fórmulas matemáticas de regressão para fazer uma estimativa. Já o estado das articulações pode revelar pistas importantes sobre a faixa etária”, disse.
Com essa metodologia, aliada à análise das arcadas dentárias, os peritos do Cemel conseguem descobrir a identidade de um terço das ossadas que dão entrada no laboratório. Segundo Guimarães, o índice é comparável ao dos melhores centros de antropologia forense do mundo.
A mesma técnica vem sendo empregada pelo cientista no Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), que há cerca de cinco anos realiza expedições no Norte do país em busca dos corpos dos guerrilheiros comunistas mortos durante a ditadura militar (1964-1985).
Mas determinar a ancestralidade e até mesmo a estatura com base em parâmetros estabelecidos a partir de dados internacionais pode ser uma tarefa ingrata em um país miscigenado como o Brasil. Por esse motivo, Guimarães orienta atualmente um trabalho de doutorado cujo objetivo é estabelecer parâmetros mais fidedignos para a população brasileira.
“Vamos exumar 150 corpos não reclamados por familiares de um cemitério de Ribeirão Preto, aplicar esse protocolo de análise e comparar os resultados obtidos com os esperados pelos parâmetros do Cemel. A ideia é estabelecer referências nacionais mais confiáveis”, contou.
Guimarães ressalta, no entanto, que nem mesmo o melhor protocolo de antropologia forense conseguirá resolver sozinho todos os casos. “Muitas vezes precisamos combinar diversas metodologias de identificação, como impressão digital, análise da arcada dentária e, em último caso, exame de DNA. São técnicas inter-relacionadas e a mais indicada depende de cada situação”, disse.
Fonte: Agência Fapesp, por Karina Toledo