Brasileiro recria neurônio de síndrome tratada com canabidiol
Pouco se sabe ainda sobre como age no cérebro o canabidiol (CBD), derivado da maconha que fomentou debates calorosos após a família da menina, Anny Fischer, 6, exigir na Justiça o direito de importar a substância para tratamento de um tipo refratário de epilepsia.
Mas, agora, uma pesquisa na Universidade da Califórnia, liderada pelo brasileiro Alysson Muotri, tenta entender como o composto diminui as crises convulsivas. Anny, por exemplo, foi de 80 convulsões por dia para nenhuma desde maio, segundo a família.
Para isso, o grupo do cientista criou em laboratório 3 milhões de neurônios a partir de células da pele de pessoas com a síndrome CDKL5, a mesma de Anny. A doença, que causa crises convulsivas já nos primeiros meses de vida, é a consequência de uma mutação do gene que dá nome à síndrome.
Muotri já havia feito estudos semelhantes com neurônios de outros transtornos. Células da pele dos pacientes são revertidas a um estágio similar ao das células-tronco embrionárias. Depois, são estimuladas a se transformar em neurônios. Com isso, é possível observar como as células doentes se diferenciam das de pessoas saudáveis.
O cientista já observou que os neurônios doentes são “superativados”, tendo mais espinhas neurais, sinapses e ramificações que o normal. Ele comparou esses cultivos com células normais e de portadores da síndrome de Rett, transtorno aparentado do autismo e que tem semelhanças com a síndrome de Anny.
A mutação CDKL5, antes, era inclusive tida como uma forma “atípica” de Rett. “Mas, ao contrário do que pensávamos, o neurônio de portadores da CDKL5 é diferente das células de afetados pela síndrome de Rett, que são imaturas”, diz ele.
SEM PODA
Uma hipótese para explicar isso é que, diferentemente de pessoas saudáveis, os pacientes com a síndrome CDKL5 não conseguem “podar” o excesso de ligações entre os neurônios.
“Todo mundo começa com excesso de sinapses, é muita informação que chega ao cérebro. No aprendizado, vamos ‘podando’ esse excesso”.
O próximo passo, diz Muotri, é verificar quais drogas poderiam tornar essas células mais parecidas com as de uma pessoa saudável –e o canabidiol será uma delas.
Segundo José Alexandre Crippa, da USP de Ribeirão Preto, médico que concedeu laudo para que Anny conseguisse a importação de canabidiol, os estudos de Muotri podem responder sobre a atuação do canabidiol na fenda sináptica (área de comunicação entre os neurônios).
Já se sabe, diz Crippa, que o CBD aumenta a concentração de anandamida, um neurotransmissor que se liga aos mesmos receptores da maconha e age em áreas ligadas a emoções, dor e processos inflamatórios. Mas a forma de atuação do CBD e da anandamida na epilepsia continua desconhecida.
Ele indica ser essencial que Muotri use várias dosagens de CBD para o experimento. “O canabidiol tem um efeito de ‘U invertido’: em doses altas, não funciona; em doses baixas, também não. O desafio é achar a faixa na qual ele funciona para cada enfermidade”.
Fonte: Folha de São Paulo