Caminhar ativa a criatividade, aponta estudo nos EUA

A pesquisa diz que a caminhada pode melhorar a criatividade. Foto: Reprodução

Friedrich Nietzsche deve ter pisado muito chão antes de se permitir um aforismo decisivo destes: “Todos os pensamentos verdadeiramente grandes são concebidos durante uma caminhada”.

O alemão sapateava os morros da Riviera Francesa ocupado com ideias graúdas – o óbito de Deus, por exemplo -, mas até para filosofias de menos ambição está servindo uma passeada a pé, dizem pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Investigando as respostas cognitivas à atividade corporal, os professores Daniel Schwartz e Marilyn Opezzo acabam de achar vínculo entre a criatividade e o ato de caminhar.

Foram quatro experimentos com 176 participantes. Em um dos testes, 48 pessoas foram monitoradas dentro de uma sala fechada, de frente para a parede, ora sentadas, ora caminhando em uma esteira; e também traçando percurso pré-determinado ao ar livre, ora empurradas em cadeira-de-rodas, ora volteando a pé pelo campus afora.

A tarefa de “medir” criatividade ficou a cargo de testes de “pensamento divergente”: os participantes tinham quatro minutos para sugerir aplicações para objetos. O sujeito criativo se saía com propostas únicas, não levantadas pelos demais e, além disso, válidas (diante do objeto “pneu”, houve quem arriscasse “anel para o dedo mínimo”, e aí já é forçar a barra).

Em todos os experimentos, a caminhada parece ter eriçado raciocínios menos óbvios. Nunca baixou de 81% o índice de cobaias que descobriram perambulando, e não acomodadas numa cadeira, o seu palavrório mais fértil. Mesmo o uso da esteira, sem cenário nem avanço, impulsionou em 60% a média de respostas raras.

Um último teste mostrou que todos que marcharam pelo campus, ao serem confrontados com frases curtas, devolveram pelo menos uma analogia “original e de alta qualidade”, contra metade dos que estiveram sentados na sala. A mágica, conclui o estudo, não é obra apenas da troca de ambiente, mas do próprio ato de caminhar.

“Seja lá qual for a mudança fisiológica que acontece, ela retém algum efeito até oito minutos depois do fim da caminhada. Pode ser um desligamento do nosso típico repressor de pensamentos (sangue desviado para o controle motor, por exemplo) ou então um impulso no ânimo (de repente há uma menor hierarquia de ideias quando estamos de bom humor)”, aventa a professora Opezzo.

Daniel Schwartz, que agora quer conferir se a música altera o fenômeno, diz que o efeito foi “intenso e abrangente, o que significa que muitas pessoas, de diferentes especialidades, podem pesquisar quando e por que isso acontece”. Exercícios em geral, ressalta Schwartz, produzem mudanças biológicas, inclusive desacelerando o declínio cognitivo na velhice, então não seria nenhum absurdo dar uma esticada nas pernas para resolver o tédio do brainstorming ou a brancura da página.

“O bloqueio criativo frequentemente resulta de nos focarmos demais em uma única ideia, inclusive a ideia destrutiva de que “não consigo pensar em nada para escrever”. Caminhar parece relaxar o controle de um pensamento e abrir espaço para outros. Importante notar que, nos nossos estudos, as pessoas estavam explicitamente tentando achar novas ideias. Não é o caso de uma ideia surgindo do nada”, observa o professor.

Os pesquisadores hesitam quanto à inclusão da caminhada no receituário médico.

“Ainda é cedo para dizer. A depressão já foi referida como a perda temporária de criatividade ou imaginação. Talvez a inabilidade de imaginar outras interpretações, cenários, caminhos. Não testamos distúrbios de humor, mas há estudos mostrando que exercícios aeróbicos são um bom remédio para a mente. É uma conexão promissora”, conclui Opezzo.

GÊNIOS DE PASSO VÃO

O modernismo foi em parte pavimentado pela exploração distraída das ruas de Paris. Para Balzac, flanar era uma “gastronomia do olho”. Charles Baudelaire fez da calçada uma terra firme para a poesia. Deixar-se à toa pela cidade rendeu letra boa também para lá do Canal da Mancha, com outro Charles, o Dickens. Cá no Brasil, tivemos João do Rio.

Heróis da modernidade, segundo o filósofo Walter Benjamin, combatendo o progresso técnico com o cronismo solitário da cidade industrializada: anomalias no sistema. Vai na mesma linha Rebecca Solnit, autora do livro Wanderlust: A History of Walking, no qual a caminhada aparece como a reclamação do espaço público frente ao avanço das áreas privadas.

Mais do que isso: Solnit escreve que, quando andamos, o mundo se dá a conhecer a partir do corpo, e o corpo se dá a conhecer a partir do mundo. Assim, no contrapé de quem flana investigando a paisagem, há quem se lance à paisagem investigando a si próprio, como nota Merlin Coverley, que lançou recentemente o livro The Art of Wandering. Seria o caso do filósofo Jean-Jacques Rousseau e do poeta William Wordsworth. Coverley considera que caminhar e escrever são uma mesma atividade, assim como caminhar e filosofar teria sido para Aristóteles, famoso por zanzar para lá e para cá enquanto falava. Os seguidores do sábio de Estagira acabariam apelidados de “peripatéticos”, palavra grega que veio parar nos dicionários de português, dando nome a quem ensina passeando.

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Fonte: Zero Hora