Cientistas pedem cautela no caso do bebê supostamente curado do HIV

Apesar de ter recebido com entusiasmo a notícia de que médicos americanos teriam conseguido curar um bebê infectado pelo HIV, cientistas de todo o mundo estão pedindo cautela antes de comemorar os resultados.

O trabalho ainda não foi publicado em nenhuma revista especializada e não passou pela chamada revisão por pares, quando os dados de um estudos são esmiuçados por cientistas independentes.

No Brasil, os cientistas também pedem detalhes mais aprofundados sobre o caso.

“Se esse resultado for confirmado, vai ser realmente uma coisa incrível. Mas ainda é cedo para tirar qualquer conclusão. Só o tempo é que vai dizer, com essa criança vai reagir, se ela vai ficar indefinidamente sem manifestação laboratorial e clínica do HIV”, avalia o infectologista Caio Rosenthal, do Hospital Emílio Ribas.

“O problema é que a gente não tem um segmento a longo prazo do caso”, completa o médico.

A CURA

Médicos americanos disseram, neste domingo, que conseguiram pela primeira vez curar um bebê com HIV.

O trabalho foi apresentado na última segunda-feira em um congresso especializado em Atlanta, nos EUA, mas os detalhes foram antecipados ao “New York Times”.

A criança, que nasceu em uma zona rural do Mississippi, foi tratada com remédios antirretrovirais 30 horas de seu nascimento, um procedimento que não é o normalmente adotado nesses casos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o tratamento com o AZT, uma droga antirretroviral de uso consagrado no coquetel de combate ao vírus.

A criança, que tem agora dois anos e meio, está há cerca de um ano sem tomar medicamentos e não apresenta sinais do vírus.

Se estudos futuros comprovarem o resultado e indicarem que o método funciona com outros bebês, o tratamento de recém-nascidos infectados em todo o mundo deve mudar, dizem especialistas.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, há mais de 3 milhões de crianças vivendo com vírus da Aids.

MÃE DESCONHECIA DOENÇA

Quando chegou a um hospital na zona rural, em 2010, a mãe da criança já estava em trabalho de parto. Ela deu à luz prematuramente.

Como a mãe não havia feito nenhum exame pré-natal, ela não sabia que era portadora do HIV. Quando um exame mostrou que ela estava infectada, o hospital transferiu a criança para o Centro Médico da Universidade do Mississippi, onde chegou com cerca de 30 horas de vida.

A médica responsável pelo caso, em entrevista ao “New York Times”, disse que solicitou duas amostras de sangue com uma hora de intervalo para testar a presença o HIV no RNA e no DNA do bebê.

Os exames identificaram 20 mil cópias do vírus por milímetro de sangue, índice baixo para bebês.

Sem esperar os exames que confirmariam a infecção, a médica deu à criança três drogas usadas para tratamento, e não para a profilaxia. Com esse tratamento, os níveis do vírus diminuíram rapidamente, e ficaram indetectáveis quando o bebê completou um mês de vida.

Foi assim até que a criança completasse 18 meses, quando a mãe parou de levá-la ao hospital.

Quando elas retornaram, os testes deram negativo. Suspeitando de erro nos exames, ela pediu mais testes. “Foi uma surpresa”, disse a pediatra Hanna Gay.

Uma quantidade praticamente desprezível de material genético viral foi encontrado, mas sem vírus que pudesse se replicar. Por isso, segundo o grupo, foi uma cura funcional da infecção.

Após o início do tratamento, os níveis do vírus no sangue do bebê foram reduzidos em um padrão de pacientes infectados.

Mais testes ainda são necessários para verificar se o tratamento teria o mesmo efeito em outras crianças, mas os responsáveis pelo caso já comemoram.

Em todo caso, os pesquisadores não acreditam que o tratamento poderia ser usado em adultos.

AMERICANO JÁ SE CUROU

O americano Timothy Brown, que acabou ficando conhecido como “o paciente de Berlim”, é considerado o primeiro caso de cura do HIV.

O método usado, no entanto, foi completamente diferente, o que ficou conhecido como cura por esterilização.

Soropositivo, ele tomava o coquetel contra o HIV quando foi diagnosticado com leucemia.

Ele passou por uma agressiva quimioterapia que “matou” sua medula antiga. No lugar, ele recebeu um transplante com células-tronco de um doador com uma mutação genética que o tornava naturalmente resistente à contaminação pelo HIV.

Depois da cirurgia, realizada na capital alemã, o vírus não voltou a se replicar.

Fonte: Folha de S. Paulo