Cientistas propõem usar capivaras como modelo para o estudo do AVC

Tanto no homem como na capivara, assim como nos demais mamíferos, as duas principais carreadoras de sangue para o cérebro são a artéria carótida interna e a artéria basilar. Fonte: Reprodução

Além de ser o maior roedor do mundo, a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) possui outra característica anatômica bastante peculiar. Quando atinge a maturidade sexual, por volta de um ano de idade, uma das duas principais artérias que vascularizam seu cérebro se fecha. A outra, simultaneamente, dobra de tamanho e passa por um processo de remodelamento para suprir a demanda cerebral por oxigênio e nutrientes.

Um processo obstrutivo semelhante, porém mais repentino e com desfecho potencialmente mais desastroso, pode ocorrer em humanos portadores de aterosclerose ou de coagulopatias. Por causa dessa similaridade, em um artigo publicado na revista Cells Tissues Organs, cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da University College London (UCL), no Reino Unido, propõem usar a capivara como modelo de estudo do Acidente Vascular Cerebral do tipo isquêmico (AVCi) – aquele causado pela oclusão de uma artéria importante para a vascularização do cérebro.

“A capivara seria um modelo animal melhor do que o rato por ter o peso corporal médio (entre 20 e 40 quilos) e a longevidade (de 10 a 14 anos) mais comparável à espécie humana. Esta poderia ser uma área de estudo multidisciplinar, com participação da indústria farmacêutica para o teste de novas drogas”, opinou o médico veterinário e professor Augusto Coppi, responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP e coordenador da pesquisa apoiada pela Fapesp.

Tanto no homem como na capivara, assim como nos demais mamíferos, as duas principais carreadoras de sangue para o cérebro são a artéria carótida interna e a artéria basilar. “As artérias carótidas saem do coração, passam uma de cada lado do pescoço, e quando chegam na altura das orelhas se dividem em carótida externa e carótida interna (que origina a maior parte das artérias cerebrais). Já a artéria basilar é formada pela junção das artérias vertebrais na altura da nuca. Este sistema é também chamado de vértebro-basilar”, explicou Coppi.

Nas capivaras, por volta dos seis meses de idade, a artéria carótida interna naturalmente começa a sofrer um processo de fibrose e, aos 12 meses, fica completamente obstruída por tecido conjuntivo, assemelhando-se a um cordão fibroso. Concomitantemente, a artéria basilar passa por uma readaptação estrutural para se tornar o principal fornecedor de sangue para o cérebro.

“Este é um processo fisiológico e não sabemos com certeza por que ele ocorre. Formulamos algumas hipóteses em estudos anteriores publicados pelo nosso grupo e a mais provável é que a artéria basilar assuma a função de principal responsável pela vascularização de todo o cérebro nas capivaras. A carótida interna perde sua função após a maturação sexual”, contou Coppi.

No caso dos humanos, porém, as artérias carótida interna e basilar compartilham a tarefa de vascularização cerebral. “No entanto, a carótida interna é mais suscetível a ser obstruída por placas ateromatosas (formadas por colesterol e cálcio) do que a basilar. E, infelizmente, ao contrário do que acontece com as capivaras, o processo é repentino e não há tempo do outro sistema se remodelar para suprir a demanda do cérebro”, afirmou.

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Fonte: Fapesp