Cientistas reconstroem córneas a partir de células-tronco adultas
Em um significativo avanço nas técnicas que procuram devolver a visão a pessoas que ficaram cegas por lesões nas córneas provocadas por doenças ou traumas, pesquisadores de uma colaboração de diversas instituições nos EUA reconstruíram esta membrana que cobre a pupila e é responsável por direcionar a luz para a retina usando células-tronco adultas retiradas dos olhos de doadores mortos.
A pesquisa marca a primeira vez que cientistas conseguiram produzir toda a estrutura de um tecido a partir deste tipo de célula-tronco – que, à diferença das embrionárias, capazes de darem a origem a todos os tecidos do corpo, já apresentam uma especialização e continuam ativas ao longo da vida, trabalhando na reposição e regeneração de tecidos danificados.
Os pesquisadores, liderados por Markus Frank e Natasha Frank, do Instituto de Células-Tronco da Universidade de Harvard, só puderam reconstruir uma córnea inteira graças à descoberta de um biomarcador capaz de identificar as chamadas células-tronco epiteliais límbicas.
Este tipo raro e difícil de obter de células-tronco é encontrado apenas no limbo, a pequena região de fronteira entre a pupila e a esclera, a parte branca do olho, e sua deficiência ou perda devido a várias doenças e acidentes como queimaduras está entre as principais causas de cegueira no mundo. Até agora, o principal tratamento disponível para estes casos é o transplante direto de tecidos e células cultivadas do limbo do olho não danificado do paciente ou de doadores de órgãos, com resultados variáveis.
Segundo Natasha, estudos anteriores mostram que para as operações serem bem-sucedidas ao menos 3% das células transplantadas devem ser células-tronco epiteliais límbicas. Assim, a ideia dos pesquisadores é usar o biomarcador, batizado ABCB5, para identificar, colher e cultivar estas células de forma a aumentar sua concentração nos tecidos transplantados e garantir o sucesso do tratamento.
“A grande questão neste campo era saber se poderíamos enriquecer a concentração de células-tronco epiteliais límbicas (nos tecidos transplantados), mas até este estudo não tínhamos um marcador específico que nos permitisse isolar estas células”, conta Natasha.
No estudo, publicado na edição desta semana da revista Nature, os pesquisadores desenvolveram um anticorpo especial que se liga ao ABCB5, proteína presente na superfície das células-tronco epiteliais límbicas, efetivamente marcando-as em uma amostra da população geral de células do limbo. Eles puderam então purificar estas amostras para que contivessem apenas as células-tronco, que depois foram transplantadas para camundongos cegos devido a lesões nas córneas. Exames realizados cinco semanas e 13 meses depois da operação verificaram que os animais desenvolveram novas córneas com as mesmas características das encontradas em camundongos saudáveis.
“Creio que a parte mais excitante deste estudo é que, apesar de todas as evidências de que as células-tronco adultas contribuem para a regeneração de tecidos, o que vimos é basicamente a primeira evidência de que podemos pegar células-tronco adultas para reconstruir um órgão que foi danificado”, destaca Natasha.
Agora, Markus e Natasha estão trabalhando com indústrias farmacêuticas para desenvolver um teste com anticorpos da proteína ABCB5 que atenda às regulações americanas. Os cientistas também esperam descobrir uma maneira de fazer com que as células-tronco epiteliais límbicas se multipliquem de forma que um único doador possa beneficiar vários pacientes e iniciar ensaios e testes clínicos da técnica em transplantes para seres humanos.
“As células-tronco epiteliais límbicas são muito raras e o sucesso dos transplantes depende da presença destas células. Esta descoberta vai tornar muito mais fácil restaurar a superfície da córnea (dos pacientes). Ela é um bom exemplo de como a pesquisa básica pode caminhar rapidamente para uma aplicação prática”, – comenta Bruce Ksander, médico do Instituto para Olhos e Ouvidos de Massachusetts e coautor do artigo na Nature.
Fonte: O Globo