Desvendada síntese de proteínas de vírus que infecta cerca de 95% das pessoas
Acredita-se que cerca de 95% da população mundial, se não toda ela, esteja infectada com o citomegalovírus humano. Na maioria das pessoas, ele permanece incubado no interior das células e não se manifesta. Em uma parte dos casos, contudo, o micro-organismo pode levar a malformação de fetos ou aproveitar um período de enfraquecimento do sistema imunológico da pessoa e se manifestar em forma de doenças que atingem o aparelho digestivo, o sistema nervoso central e a retina, por exemplo.
Agora, descobertas sobre a capacidade de codificação do vírus para a produção de proteínas, relatadas em artigo publicado na edição da revista Science, podem explicar por que ele se manifesta em determinados momentos e como manipula as células humanas durante a infecção.
O genoma do citomegalovírus humano foi sequenciado há 20 anos, mas seu proteoma, ou seja, o conjunto completo de proteínas expressas pelos genes, ainda não era compreendido. O principal mistério estava em grandes fitas de RNA mensageiro (RNAm) – responsável por traduzir e levar a “receita” contida no DNA para que os ribossomos localizados no citoplasma produzam proteínas, expressando as características contidas no material genético.
Até então, os cientistas não sabiam se essas fitas eram capazes de produzir proteínas ou quais seriam seus produtos e funções no organismo humano. “O genoma de um vírus é apenas um ponto de partida. Entender quais proteínas são codificadas por aquele genoma é que nos permite começar a pensar sobre o que o vírus faz e como podemos interferir nele”, enfatiza o coautor do estudo, Jonathan Weissman.
MAPEAMENTO
O grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia e do Instituto de Pesquisa Scripps, nos Estados Unidos, e do Instituto Max Planck, na Alemanha, do qual Weissman faz parte, utilizou uma combinação de técnicas e equipamentos de última geração para mapear as posições dos ribossomos, produtores de proteínas, enquanto atuavam na tradução das grandes fitas de RNAm. Foram escolhidos três períodos específicos de infecção.
Em laboratório, células humanas foram infectadas e analisadas durante cinco horas (período precoce imediato), 24 horas (período precoce) e 72 horas (período tardio), após o início do processo.
Surpreendentemente, os cientistas observaram que em cada período, das longas fitas de RNAm, eram produzidas proteínas menores e diferentes. Antes dessa descoberta, imaginava-se que de uma fita de RNAm era gerada uma específica proteína e de tamanho correspondente: uma fita longa geraria uma única grande proteína.
A descoberta, no entanto, conseguiu identificar centenas de proteínas não conhecidas anteriormente e também demonstrou que uma codificação extremamente complexa, possivelmente, presente em outros vírus com características similares de longas sequências de RNAm.
POSSIBILIDADES
Os achados da equipe, chefiada por Noam Stern-Ginossar, devem ajudar a desvendar a manifestação do vírus no ser humano, além de possibilitar o desenvolvimento de novas drogas para o tratamento e a inibição do processo viral.
O estudo também abre uma perspectiva para entender como o vírus controla seu ciclo replicativo. Futuramente, ao analisar as proteínas encontradas, é possível que uma delas seja capaz de controlar a latência do vírus, por exemplo, e drogas que inibem essa ação possam ser desenvolvidas.
Para a professora do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo Goes, da UFRJ, Luciana Jesus da Costa, o fator que mais chama a atenção é a característica do citomegalovírus humano de gerar várias pequenas proteínas a partir de uma única longa fita de RNAm. “Esse fator definitivamente aumenta a capacidade de codificação de um genoma para uma dimensão quase infinita. Descobriram especificamente no citomegalovírus humano, mas a pesquisa abre um campo vastíssimo para que isso aconteça em outros vírus”, diz.
Fonte: Estado de Minas, por Bruna Sensêve