Dissonância ministerial

*Odenildo Sena

18/09/2012 – Nada disso! Antes que algum apressadinho tente pegar carona, já me antecipo e esclareço. Sou fã da presidenta Dilma. Gosto da maneira firme e, ao mesmo tempo, terna e sensível com que vem governando o País. E não se trata de oportunismo de última hora.

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Ao meu modo, fiz campanha pra ela e nela votei. Com orgulho, diga-se de passagem. Justo por isso dou a mim o direito de ponderar sobre uma questão que vem me tirando o sossego. Tem alguma coisa errada entre a presidenta e a Míriam Belchior, senhora responsável pela distribuição da grana entre as casas que habitam a Esplanada dos Ministérios. Nesses dias, pra ficar num só exemplo, em seu programa semanal de rádio Dilma ratificou dois compromissos de sua passagem pelo Planalto: erradicar a pobreza e, ao mesmo tempo, produzir ciência e tecnologia. Ninguém em sã consciência, creio eu, mesmo o notável comunista pernambucano radicado em São Paulo Roberto Freire, que se livrou do PCB no dia seguinte à queda do Muro de Berlim, haveria de discordar da nobreza desses propósitos. Embora uma coisa tenha a ver com a outra, algo não está batendo no que tange ao segundo compromisso. Ciência e tecnologia não se produzem sem investimentos maciços e contínuos. Exatamente aí suspeito está o nó da questão. A presidenta e a ministra não andam combinando o discurso, ou melhor, não estão conseguindo juntar ação às palavras. Ou, pra aventar outra possibilidade, a ministra está pouco ligando para os compromissos assumidos publicamente por sua chefe. Ou, ainda, – e nisso eu prefiro não acreditar – haveria um acordo tácito em que uma diz uma coisa e a outra faz outra. Trocando em miúdos: em 2011, primeiro ano de seu mandato, Dilma incorporou a sua fala, com a ajuda do então ministro Mercadante (por sinal muito bom de discurso), o discurso da ciência, tecnologia e inovação como o grande mote para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Consequência: dona Míriam e os iluminados do planejamento acharam por bem aliviar o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (que havia incorporado o ‘I’ de inovação) da módica quantia de R$ 1 bilhão; em 2012, segundo ano do mandato, já com o ministro Raupp substituindo Mercadante, Dilma deu mais força ainda ao discurso da CT&I e, de quebra, lançou o programa ‘Ciência sem fronteiras’, iniciativa pioneira e ousada. Consequência: dona Míriam e os iluminados do planejamento voltaram a atacar, dessa vez com mais crueldade, e empobreceram o orçamento do MCTI em R$ 1,7 bilhão.

Francamente. Aí eu não entendi mais nada! Tudo isso num contexto de tantas e tão boas notícias no mundo da ciência, com impactos fortes na qualidade de vida da sociedade e, por tabela, na redução de custos dos gastos públicos na área de saúde, pra ficar apenas com alguns poucos exemplos. Vejam: pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, depois de 37 anos de pesquisa, chegaram à vacina contra esquistossomose, doença parasitária que afeta em torno de 200 milhões de pessoas no mundo, principalmente os pobres da África e da América Latina; o Brasil iniciará a produção de vacina contra catapora, o que irá reduzir o alto déficit da balança comercial do setor de saúde; o laboratório francês Sanofi, em parceria com o Instituto Pasteur, – que notícia animadora! – sinaliza para o lançamento de uma vacina contra dengue, depois de 70 anos de estudos, laboratórios e testes clínicos; pesquisadores dos Estados Unidos, Holanda e Hong Kong dizem ter achado um provável caminho para uma vacina universal contra gripe. E a que se deveu tudo isso, senão a investimentos constantes em muita ciência, em muita tecnologia e em muita inovação? Dá, então, pra entender cortes no orçamento do MCTI?

Alguém precisa soprar com urgência no ouvido da presidenta Dilma. Dona Míriam Belchior insiste em tocar um instrumento desafinado que está pondo em risco a harmonia da orquestra.

*Odenildo Sena é secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti). Este artigo foi publicado simultaneamente no jornal Diário do Amazonas, Portal D24AM e Portal Amazônia.