Ecos da Criação
Segunda feira passada, a comunidade científica foi sacudida por uma descoberta absolutamente incrível: pela primeira vez, foi possível obter informação de eventos que ocorreram essencialmente no nascimento do próprio Universo. Cientistas ouviram ecos da criação.
Sei que parece absurdo afirmar tal coisa; como pode ser possível observar o que ocorreu há 13,8 bilhões de anos, instantes após o Big Bang? Porém, é isso mesmo.
Na cosmologia, a parte da física que estuda a origem e evolução do Universo, dados são obtidos vasculhando os céus por sinais do passado longínquo, tal como paleontólogos obtêm informação de dinossauros buscando por fósseis, juntando as peças do quebra-cabeça até o animal tomar forma.
Teorias propostas no início dos anos 80, sugerem que o cosmo, logo após sua origem, passou por um período de expansão acelerada, chamada de fase inflacionária. Durante essa fase, pontos do espaço que, antes, estavam próximos, acabaram, após apenas uma fração de segundo, separados por distâncias astronômicas.
Sim, o espaço pode expandir mais rápido do que a velocidade da luz. Esse evento explica, dentre outras coisas, porque a geometria do Universo é plana, algo que foi já confirmado. Mas até agora, não tínhamos uma confirmação direta da expansão acelerada da fase inflacionária, apenas evidência indireta.
A teoria inflacionária prevê, também, que, na violência da expansão, a própria geometria cósmica vibrou, criando ondas na estrutura do espaço. Essas ondas, conhecidas como ondas gravitacionais, têm uma propriedade curiosa, de causar uma espécie de torção no espaço, como se fossem um redemoinho.
Mas como obter informação de tais ondas, que são notoriamente extremamente fracas?
As ondas gravitacionais viajam pelo espaço livremente, causando pequenas flutuações na distribuição de matéria, como se o chão vibrasse sob seus pés. Quando o cosmo tinha 400 mil anos de idade, outro evento essencial ocorreu: a formação dos primeiros átomos e da chamada radiação cósmica de micro ondas, que, como o ar à nossa volta, permeia todo o Universo.
As ondas gravitacionais acabaram por encontrar a radiação cósmica, causando as típicas ondulações em forma de redemoinho. Tal como as ondas do mar do mar, que vão e vêm na praia, deixando padrões na areia, essas ondas gravitacionais deixaram também padrões na radiação cósmica.
Foram esses padrões, dos redemoinhos deixados na radiação cósmica durante a infância do Universo, que foram detectados.
A descoberta não só oferece uma prova direta da teoria inflacionária, como, também, a primeira evidência mais direta da existência de ondas gravitacionais, algo que já sabíamos devia existir devido à observações das órbitas de pares estrelas girando em torno de si mesmas.
Alguns cientistas mais entusiastas afirmam que os dados são evidência de que a gravitação pode ser tratada como uma teoria quântica, em que a força gravitacional é transmitida por partículas chamadas grávitons. Essa afirmação é, ao menos por ora, exagerada.
Como toda nova descoberta científica, esta também precisa passar pelo escrutínio da comunidade e ser confirmada por outros experimentos. Em breve, saberemos mais. Ainda é cedo para afirmar que vimos a face da criação. Mas, sem dúvida, essa semana chegamos bem mais perto.
*Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de ‘Criação Imperfeita’.