Empresas procuram vacina para febre amarela com menos efeitos adversos
A principal revista científica da área médica – The New England Journal of Medicine (NEJM) – publicou recentemente resultados promissores de uma nova vacina contra febre amarela. O artigo representa o último lance de uma corrida tecnológica. Empresas de vários países buscam uma alternativa mais segura para a vacina criada em 1936.
Desde então, o imunizante é produzido com uma cepa de vírus atenuados cultivada em embriões de galinha. Apresenta alta eficácia, mas possui um grave inconveniente: em pouquíssimos casos – dois ou três em centenas de milhares, o vírus pode se tornar selvagem.
A pessoa desenvolve, então, uma forma agressiva da doença que, em cerca de 60% dos pacientes, leva à morte. "É o problema das vacinas com vírus atenuados", explica Cláudio Struchiner, da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz). "Ocorre o mesmo com a poliomielite vacinal (paralisia associada à vacina da pólio)."
Alternativas – O estudo do NEJM descreve os testes de uma vacina feita com vírus da febre amarela inativados ("mortos") em 46 indivíduos saudáveis. Depois da segunda dose, todos desenvolveram proteção contra a doença.
Os cientistas – a maioria da empresa americana Xcellerex – lamentam a necessidade de duas injeções para conferir proteção. "Para chegar a uma só, vamos aumentar a dose e testar outros adjuvantes (substâncias que aumentam a eficácia)", afirma Thomas Monath, autor do estudo.
O maior produtor mundial de vacinas contra febre amarela é o laboratório público brasileiro Bio-Manguinhos, ligado à Fiocruz, com até 50 milhões de doses anuais. Em janeiro, a instituição assinou um contrato com o Centro Fraunhofer para Biotecnologia Molecular e com a empresa iBio, ambos dos EUA. A parceria visa à criação de planta transgênica que produza uma proteína da cápsula do vírus, principal ingrediente da vacina.
A alternativa seria mais segura que o produto da Xcellerex, pois o vírus da doença não estaria presente no processo de produção. "Testes com animais deram bons resultados", afirma Artur Couto, diretor de Bio-Manguinhos.
Em até três anos, devem começar os testes em humanos. O segundo maior produtor é o Laboratório francês Sanofi-Aventis, com cerca de 10 milhões de doses anuais. A empresa também realiza pesquisas na área.
Nos últimos anos, cada dose do produto custou de US$ 1 a US$ 3 para a Organização Pan-Americana de Saúde. Atualmente, só quatro laboratórios são capazes de produzir a vacina. Além dos já citados, há também um instituto russo e outro no Senegal.
"Há uma demanda grande na África", aponta Couto. "A Nigéria quer imunizar 100 milhões de pessoas, mas não há oferta."
Ameaça – Só na última década ficou clara a associação do vírus atenuado da vacina a casos muito raros, mas graves, de encefalite e da forma vacinal da doença. Em um artigo científico de 2004, Struchiner e outros autores sublinham a conveniência de vacinar pessoas em áreas endêmicas, mas questionam a oportunidade de "administrar preventivamente a vacina para toda a população".
Se o risco do indivíduo contrair febre amarela é menor do que o de uma reação adversa grave causada pela vacina, não há por que utilizá-la. "Mas as conclusões seriam outras se o perfil da vacina fosse mais seguro", pondera Struchiner.
Há pelo menos uma boa razão para tornar toda a população imune à febre amarela. A doença já foi o principal problema de saúde pública no País, no fim do século19 e no início do 20. Na década de 30, iniciou-se uma campanha nacional de erradicação do principal vetor urbano da doença – o Aedes aegypti. Em 1958, o Brasil foi declarado livre do mosquito.
Dez anos depois, o inseto ressurgiu no Norte e, hoje, está presente em todo o País. Atualmente, o Aedes não transmite a febre amarela. Ninguém sabe o porquê. Nas últimas décadas, todos os casos da doença são silvestres: estão associados a outros gêneros de mosquitos – Haemagogus e Sabethes – presentes apenas nas florestas.
Supõe-se que o vírus da dengue, também transmitido pelo Aedes, monopolizou o vetor. Mesmo assim, a sombra de uma epidemia urbana de febre amarela ainda incomoda especialistas que esperam uma vacina mais segura para toda a população.
Fonte: O Estado de S.Paulo