ENTREVISTA – “É nossa responsabilidade buscar o novo, ir além do que foi feito”

Mariano Francisco Laplane deixou a direção do Instituto de Economia da Unicamp para assumir um novo desafio: ser presidente do CGEE. Empossado há um mês, o pesquisador de origem argentina, radicado no Brasil há 25 anos, fala sobre as organizações sociais e os órgãos de controle, o momento atual da ciência, tecnologia e inovação no país, as tendências mundiais e seus planos para o Centro. Confira a entrevista:

Como o senhor vê o papel do CGEE atualmente?

Laplane: O Centro tem uma importância muito grande pelo próprio estágio de desenvolvimento do Sistema Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação. Ele cresceu e se tornou bastante complexo nos últimos anos, se tornou de maior escala, de maior complexidade, incorporou novas funções. E, na medida em que se torna mais complexo, aumenta a importância das instâncias de coordenação. O Centro é uma dessas instâncias, por suas características, o modelo a partir do qual foi formado, de Organização Social, que permite autonomia, independência no exercício das encomendas que nos são confiadas, além de conseguir desempenhar um papel articulador e mobilizador de maneira peculiar. Embora seja uma instituição relativamente jovem, de dez anos, tem no atual momento uma identidade institucional bastante reconhecida na academia, nos órgãos públicos e crescentemente também no setor empresarial. Isso permite, por exemplo, que o Centro desenvolva uma enorme quantidade de estudos e trabalhos, tanto de prospecção, de avaliação de políticas quanto de gestão da informação com recursos relativamente escassos.

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O senhor exaltou a flexibilidade das organizações sociais, mas sabemos que a interpretação da operação do Centro pelos órgãos de controle ainda é vista de maneira difusa. Como o senhor vê a questão da constitucionalidade do formato OS?

Laplane: É natural que tenham surgidos questionamentos, mas acredito que poderemos vencer isso e fixar a imagem de legalidade e legitimidade do modelo, que não é apenas nosso. É uma novidade no sistema institucional e tenho a expectativa de que o pronunciamento positivo do STF (Supremo Tribunal Federal) nos fortaleça, embora reconheça que tenha criado um grau de incerteza e ansiedade, principalmente pela demora. Quanto aos órgãos de controle, existe uma tensão permanente, mas não a ponto de nos impedir de desempenharmos as atividades, nem de colocar em perigo nossas especificidades. Entendo que nós vamos ter que defender permanentemente o que achamos as virtudes do sistema OS. Devemos ser sensíveis às preocupações legítimas dos órgãos de controle, afinal trabalhamos com recursos públicos e devemos garantir a transparência do seu uso, algo que já fazemos. Ao mesmo tempo, devemos defender o modus operandi necessário e indispensável para que possamos desenvolver o que a sociedade espera de nós.

O senhor é o terceiro presidente do CGEE e o primeiro da área de humanidades…

Laplane: Eu sempre vi o CGEE, muito antes de pensar em presidir a instituição, como um lugar que conseguia praticar a interdisciplinaridade. Aliás, acho que essa é uma de suas virtudes, é a sua peculiaridade. Eu, pessoalmente, tenho uma trajetória interdisciplinar. Formado em Ciências Sociais, fiz mestrado em Planejamento Urbano e Regional e um doutorado em Economia. Trabalhei, nos vários momentos da minha carreira acadêmica, em distintos âmbitos, com cientistas das mais diversas áreas, tanto na gestão universitária na Unicamp, quanto em outros órgãos do Sistema de Inovação, na Capes, na Fapesp. Dessa forma, vejo com naturalidade alguém da área de humanas presidir o CGEE.

E, como já foi dito aqui, o CGEE promove a interação entre academia, governo e setor privado para subsidiar políticas públicas de longo prazo, em um país que tradicionalmente não tem cultura de planejamento estratégico e visão de futuro. Podemos dizer que o Centro é uma organização à frente do aparato brasileiro?

Laplane: Em alguns aspectos, creio que os trabalhos que desenvolvemos estão na ponta da prática do planejamento e mesmo da avaliação de políticas aqui no Brasil. Ainda bem, porque esse é o nosso papel. É nossa responsabilidade buscar o novo, ir além do que foi feito. Acredito que o Brasil vem avançando a passos largos na reintrodução do planejamento, na percepção da importância da coordenação das ações, tanto no âmbito do Estado brasileiro quanto entre o setor público e o setor privado.

E o que está faltando?

Laplane: O fato de o Brasil ser agora um país emergente – e que já foi subdesenvolvido, em desenvolvimento, enfim, os nomes vão mudando – não muda o fato de que somos um país com um potencial ainda muito grande para atuar em benefício da qualidade de vida, do bem-estar da população. Portanto, é um país que ainda tem muita quilometragem para andar. É a nossa obrigação, não atingimos um estágio de maturidade. Não digo que haja países que já completaram sua construção, mas vejo que alguns podem ter uma autoimagem de que chegaram a um nível razoável bem-estar. Nós não. Estamos longe disso. Então, a nossa condição coloca um desafio significativo para o Sistema de Inovação, porque o conhecimento é um insumo – numa linguagem econômica – essencial para avançar rápido nesse processo. É preciso traduzir o conhecimento da nossa academia e mobilizar os recursos desse Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para melhorar nossa capacidade de produzir uma quantidade e uma variedade maior de bens e serviços, melhorar as condições de vida da nossa população, aumentar o bem-estar, a competitividade e tornar mais eficiente a gestão. Dessa forma, aproveitamos e preservamos os nossos recursos naturais. Além disso, atenderemos melhor à projeção do Brasil no cenário internacional, melhoraremos a nossa capacidade de defender os nossos interesses.

O ministro Aloizio Mercadante vem ressaltando que o país precisa criar uma cultura de inovação nas empresas e que sua gestão vai investir fortemente nisso.

Laplane: A primeira pergunta é: por que não temos uma cultura de inovação? Por que o setor empresarial no Brasil não tem essa cultura? Penso que é preciso entender as condições nas quais se deu o desenvolvimento da economia brasileira e da sociedade até agora. Acho que há duas coisas a serem observadas. Primeiro, o Brasil é um país, assim como tantos outros da América Latina, que tem o desenvolvimento defasado em relação à economia dos países ricos e desenvolvidos. Isso abre oportunidade que pode ser caracterizada como positiva até um determinado momento, já que houve a possibilidade de fazer uso das tecnologias desenvolvidas no exterior, adaptar, trazer para o Brasil produtos e a maneira de organizar as empresas que já tinham sido desenvolvidas em outros lugares. É um atalho, quem chega depois tem a vantagem de não ter que abrir o caminho. Isso explica por que não existe a cultura da inovação. O país funcionou como uma organização extremamente ágil e eficiente na adoção de tecnologias desenvolvidas fora. E, portanto, o Sistema funcionou durante muito tempo andando em duas velocidades. Temos uma academia forte, somos pioneiros na implantação da pós-graduação na América do Sul. Mas no que diz respeito à tecnologia e inovação, recorremos a soluções importadas. Como mencionei antes, isso, durante muito tempo, funcionou muito bem, mas criava uma certa assincronia, uma disfuncionalidade entre a nossa crescente capacidade de gerar conhecimento e nossa timidez na geração de demandas para essa capacidade. Um segundo elemento é a enorme instabilidade que a economia brasileira sofreu nas últimas décadas. E, por definição, a cultura da inovação é associada a uma perspectiva de expansão de horizonte de longo prazo, porque inovar é arriscado e caro. Nós temos hoje um grupo relativamente pequeno, mas significativo, de empresas que já se expandiram e enfrentam lá fora outros gigantes. Em alguns casos, as tecnologias e o conhecimento de que precisam para continuar crescendo não existe ou não está disponível, o chamado conhecimento do proprietário. Para essas empresas, a inovação é essencial. Elas já têm a cultura da inovação. Outras empresas vão passar a enfrentar esse tipo de desafio. E mesmo aquelas que não atuam fora sofrem no mercado interno a pressão dos concorrentes importados estrangeiros. É preciso também que essas empresas inovem para defender seus mercados. Por outro lado, para a adaptação de toda produção de bens de serviços, há uma noção de responsabilidade ambiental que minha geração não teve. Há o surgimento de novas oportunidades, da sociedade de desenvolvimentos tecnológicos novos, do tratamento de transmissão de processamento de informações, dos novos materiais. Nesse contexto, não é possível ter acesso às tecnologias sem envolvimento e participação no processo de desenvolvimento. Além disso, muitas tecnologias estão sendo desenvolvidas na fronteira por esforços cooperativos dos setores público e privado. Precisamos que as empresas que não têm ainda essa cultura de inovação passem a ter para ter parceiros, porque o Sistema Nacional de Inovação precisa desses parceiros também.

Que papel o CGEE vai ter nessa agenda?

Laplane: Somos procurados e temos participado direta ou indiretamente de ações com empresas com perfil inovador. Também temos desenvolvido algumas ações que geram parcerias com o setor privado. Participamos regularmente das reuniões da Mobilização Empresarial da Inovação, somos parceiros da Finep, da ABDI, da CNI. Portanto, disseminar a cultura da inovação, como o ministro (Aloizio Mercadante, de CT&I) sempre fala, não é apenas bater bumbo, dizendo que a inovação é importante. Precisamos chegar às empresas com instrumentos e apoio.

E a questão da internacionalização?

Laplane: Esse termo está na ponta da língua dos reitores, das agências. É uma necessidade que também decorre da expansão, da sofisticação e da complexidade do Sistema e da posição peculiar que o Brasil ocupa hoje no cenário mundial. O que é ótimo, porque é uma convergência de interesses que podemos aproveitar. O governo federal anunciou recentemente um grande programa de intercâmbio, o Ciência sem Fronteiras, e quando vemos tudo isso acontecer ao mesmo tempo, alguns podem dizer que é coincidência, mas não é. É o nosso momento e o momento do mundo. E no que nos cabe, no CGEE, já andamos nessa direção. Primeiro, pela existência de instituições congêneres em outros países, com sistemas de inovação de outras características, de perfis mais antigos, maiores, mais novos, menores. Instituições como a nossa, que têm uma função específica, indispensável dentro de sistemas minimamente complexos. É uma porta de entrada muito eficiente para que nosso sistema estabeleça parcerias de vários tipos nos outros sistemas. De um lado, mostramos as ferramentas que desenvolvemos, eles aprendem e nos permitem aprender também das ferramentas deles. Construímos um canal, uma avenida por meio da qual o CGEE, as instituições congêneres no exterior e as empresas brasileiras identifiquem parceiros, estabelecem relação de cooperação umas com as outras. Não apenas prestamos o serviço a nós mesmos, como também cumprimos a função de coordenar e contribuir para consolidar essa agenda para o Sistema Nacional.

O que planeja para sua gestão?

Laplane: A continuidade é um termo muito forte na minha visão do CGEE. A grande política adotada tem sido sedimentar toda essa variedade de experiências adquiridas na realização de estudos dos temas mais diversos, de avaliação de políticas e de prospecção. Sedimentar-se desenvolvendo competências no Centro que possam ser depois colocadas a serviço de novas iniciativas. Considero os esforços na área de gestão da informação muito importantes, a criação de ferramentas de avaliação de políticas e de prospecção. Da mesma forma, aprecio o esforço valioso que o CGEE faz de divulgação, por meio das publicações, da página web. Algo que certamente deve ter continuidade é essa nossa capacidade de mobilizar, de reunir rapidamente um grupo de especialistas nacionais e estrangeiros que se traduza em algum bem público, no sentido mais amplo, que possa ser acessado por técnicos, alunos docentes, pesquisadores. Gostaria também de manter como prática essa capacidade de mobilização que temos entre muros, numa estrutura muito flexível, onde as pessoas são chamadas a participar de diferentes projetos, sem uma estrutura rígida de divisão do trabalho. Isso é extremamente rico. As competências aqui são das mais variadas. Combinar diversidade com harmonia só pode ser feito quando se conta com colaboradores de um nível muito elevado de compromisso, de dedicação, com uma consciência do tamanho das responsabilidades. Eu reputo a qualidade das pessoas como uma das grandes ou talvez a principal razão de o modelo do CGEE ter ido adiante, se consolidado, num clima de tantas dificuldades e desafios do porte dos que nós enfrentamos.

Fonte: CGEE