Equilíbrio de poder na ciência mundial está mudando

1) “O equilíbrio geográfico de poder na ciência mundial está mudando”;

2) “A nova agenda global será provavelmente impulsionada pelas mais poderosas potências emergentes: a China, em particular, mas também o Brasil, a Índia, a Coreia do Sul e a África do Sul”; e

3) “Esse grupo de países emergentes tem, já agora, a chance de construir uma ciência que servirá não só aos interesses das oligarquias nacionais ou dos próprios pesquisadores, mas da sociedade como um todo”.

Em defesa de suas ideias, Colin Macilwain lembra que a China ultrapassou os EUA como maior produtor do mundo de PhDs, e cita como prova uma matéria da Nature (472, 276-279; 2011) a respeito do assunto. Recorda também que, pelo relatório de 2011 da Royal Society do Reino Unido, a China programou-se para superar o volume da produção científica dos EUA publicada em revistas de pesquisa. E destaca que o Brasil formou 14.000 doutores em 2012.

Qual seria o segredo? Para Colin, “a mudança é acompanhada pela efetiva decisão política das potências emergentes de combinar as ciências sociais com a ciência ‘dura’ (hard) e a engenharia para atender às necessidades da sociedade”. Os líderes do Brasil, da China e de outras economias emergentes, frisa ele, precisam dar respostas a problemas sociais básicos, como água, alimentação, saúde, energia e alterações climáticas. Daí que Colin faz questão de enfatizar que muitos oradores – como Linxiu Zhang, da Academia Chinesa de Ciências, e Michel Temer, vice-presidente do Brasil – aproveitaram o Fórum para manifestar total apoio à aliança entre as ciências sociais e as ciências duras.

Em contraste, observa Colin, as prioridades dos líderes dos EUA e da Europa “são de curto prazo e financeiras, enquanto a ciência é organizada para atender às várias partes interessadas (stockholders) – principalmente empresas que fornecem medicamentos e equipamentos militares -, bem como às necessidades dos próprios cientistas e de suas universidades”.

Colin considera que “razões históricas bem identificadas” explicam “a visão estreita do Ocidente sobre o que constitui a ciência”. Ele conta: “Por volta de 1900, os cientistas da Royal Society de Londres distanciaram-se dos colegas das humanidades (o que levou à criação da Academia Britânica). A Academia Nacional de Ciências dos EUA seguiu o mesmo caminho”.

Na Europa continental, a história foi diferente. Basta dizer, indica Colin, que a palavra “ciência” em alemão – Wissenschaft – abrange amplo conjunto de conhecimentos, que vão muito além das ciências naturais, e, não por acaso, Helga Nowotny, ex-presidente do conceituado Conselho Europeu de Pesquisa, é socióloga.

Ainda assim, as ciências sociais não recebem um tratamento justo no novo programa de pesquisa da União Europeia (UE), “Horizon 2020”, o maior do mundo fora dos EUA. Os cientistas sociais, sustenta Colin, sentiram-se alijados da elaboração dos planos de trabalho do “Horizon 2020”. No debate de 26 de novembro passado, em Bruxelas, sobre “cidades inteligentes”, ouviram-se críticas ao programa por se concentrar em bases tecnológicas, embora o verdadeiro problema seja a forma como as tecnologias já disponíveis são usadas pelas pessoas.

Não são questões filosóficas abstratas, diz Colin: “A pesquisa comportamental quantitativa poderia facilmente preencher lacunas de conhecimento e projetar processos que permitissem às pessoas, por exemplo, gerir melhor o uso de sua energia.

Mas isso ocorre porque os programas de pesquisa da UE também são projetados em torno das necessidades de partes interessadas: no caso, fabricantes de instrumentos, empresas de energia, e cientistas e engenheiros universitários que conhecem as amarras de programas anteriores”.

Associado a isso, Colin sublinha outra questão discutida no Fórum do Rio: “a ciência global ainda enfrenta o enorme problema das pesquisas ‘silos’, em que os pesquisadores se vêm obrigados a operar com disciplinas ilhadas, não raro arcaicas.

É nesse ponto que ele cita o físico Luiz Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências, pelo seu forte apelo em favor da “reformulação da universidade, no sentido da interação entre as disciplinas”.

Colin acusa, então, as agências de financiamento e universidades do Ocidente, bem como sua indústria editorial, de terem sido criadas para frustrar essa mudança permanentemente. Ao mesmo tempo, ele descortina a chance de que as potências científicas emergentes, ao crescerem, façam as coisas de modo diferente e construam uma perspectiva interdisciplinar em suas estruturas.

Ao lado do Fórum Mundial da Ciência, que busca debater tais problemas, Colin alinha o Conselho de Pesquisa Global, criado em 2012 por iniciativa de Subra Suresh, então diretor da Fundação Nacional de Ciência dos EUA, como veículo voltado para uma governança mais ampla da ciência. Mas ele crê que as organizações internacionais existentes têm influência limitada na conquista dessas transformações.

Colin esteve no Rio antes, lá por 1997. A seu ver, “a inigualável praia de Copacabana” não mudou muito: “Mas houve uma inovação: ao longo do calçadão, equipamentos robustos de ginástica ao ar livre convidam moradores e turistas a desfrutarem de um pouco de exercícios aeróbicos. Essas instalações, de acesso gratuito, parecem uma iniciativa óbvia para melhorar a saúde pública”.

E arremata: “Mas conte isso aos habitantes do Bronx, em Nova York ou do East End de Londres, onde os sinais mais visíveis da ciência da saúde são as torres de vidro próximas, em Washington Heights ou Whitechapel, onde biólogos desenvolvem medicamentos que beneficiam principalmente os ricos”.

As academias de ginástica ao ar livre no Rio (e em outras cidades brasileiras), a seu ver, “refletem o trabalho de pesquisadores como o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, no sul do Brasil, fazendo parte de um movimento influente para compreender melhor as relações entre a saúde materna, os exercícios da primeira infância e seus resultados na saúde ao longo da vida”.

E conclui: “Este é o tipo de pesquisa social que o mundo em desenvolvimento precisa à medida que expande seu peso científico”.

Penso que Colin, atento às boas tendências globais, apenas ficou devendo um comentário sobre o “Programa Ciência Sem Fronteiras”, lançado pelo Governo Federal brasileiro e executado pelo CNPq, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, e pela CAPES, do Ministério de Educação. Trata-se de iniciativa arrojada que revela a nova postura do Brasil como potência emergente no campo decisivo do desenvolvimento científico. Por isso mesmo, mereceria o olhar crítico de um jornalista científico da categoria e com a visão construtiva de Colin Macilwain.

Isso poderia contribuir para melhorar o desempenho do programa e corrigir seus equívocos, reconhecendo, por exemplo, o devido lugar das ciências sociais no mundo contemporâneo.

*José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da AEB, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, e diretor honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro pleno da Academia Internacional de Astronáutica

 Este artigo foi divulgado anteriormente no Jornal da Ciência . A equipe do CIÊNCIAemPAUTA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do site.