Transplantes de fígado no Amazonas
CIÊNCIAEMPAUTA, POR ADRIANA PIMENTEL E CLEIDIMAR PEDROSO
A hepatite é basicamente uma infecção no fígado. Existem vários tipos de hepatites e a gravidade da doença é variável, em função disso e também dos danos já causados ao fígado quando é descoberta. Dependendo do tipo, a hepatite pode ser curada de forma simples, apenas com repouso, ou pode exigir um tratamento mais prolongado e, algumas vezes complicado, que nem sempre leva à cura completa.
De acordo com o levamento feito pelo Ministério da Saúde (MS), de 2005 a 2011, calcula-se que 3,5 milhões de brasileiros tenham sido infeccionados, com as formas mais graves de hepatite. Outros 800 mil, com hepatite B e 2,7 milhões com hepatite C, número considerado seis vezes maior que o estimado de portadores do vírus da Aids.
No Amazonas, foi constatado que a hepatite é a principal doença que acomete pacientes com patologias no fígado. Diante desse grave quadro, o Estado investiu R$ 1,5 milhão, na implantação de um Centro de Referência para a Amazônia Ocidental, na Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ). O procedimento de transplante deve estar disponível, na rede estadual de saúde, até o fim do ano.
Essa é uma das áreas que terá prioridade, no que diz respeito à saúde no Estado. Por isso, o Portal Ciência em Pauta entrevista a diretora da Central Estadual de Transplantes, Leny Passos, que explica por que a hepatite afeta a maioria dos pacientes que precisam de transplante de fígado; a capacitação da equipe que vai realizar os transplantes; quais as razões que levaram o Governo do Amazonas a investir R$ 1,5 milhão na implantação de um Centro de Referência para a Amazônia Ocidental, na Fundação Hospital Adriano Jorge.
CIÊNCIAemPAUTA: Para realização do transplante de fígado é preciso um investimento de R$ 1,5 milhão. Esse montante é necessário para montar qual estrutura?
Leny Passos: O processo de transplante é muito delicado e por isso são necessário s equipamentos muito mais sensíveis para identificar alterações mínimas, que é importante para a tomada de decisões dentro de poucas horas. Outro ponto importante é que a melhoria dos equipamentos será para todos os pacientes que precisarem daquele exame. De certa forma, dizemos que o hospital será qualificado na alta complexidade. Para realização do transplante há uma série de alterações que o hospital tem que fazer para ser considerado seguro. O transplante não é só o ato cirúrgico. É preciso um laboratório com alta performance, equipamento de imagem muito bom, profissionais treinados, para intervir no momento que for necessário são alguns dos itens do conjunto de medidas que o hospital precisa apresentar.
CP: Que equipamentos são esses?
LP: Há a angio-ressonância, um equipamento que permite ver pequenos vasos. Há tomografia, com capacidade de identificar nódulos de menos de dois milímetros. Há a UTI, com leitos adequados. Neste caso, a cama é especial, tem uma balança embutida que informa o peso do paciente. É necessária uma comissão atuante de infecção hospitalar, controle de cultura de bactérias, fungos e vírus. Vários exames de coagulação rápidos que hoje não existe em Manaus.
CP: O transplante de fígado deve ocorrer a partir de quando?
LP: A equipe está em treinamento e até o fim do ano deve começar. Nós já conseguimos fazer a retirada do fígado para transplante. Hoje, o ambulatório para pacientes que necessitam de transplante de fígado já está organizado. Foram feitas algumas consultas para identificarmos pacientes, para analisar o grau de gravidade. Um trabalho importante para identificarmos a demanda que temos aqui no Estado. Nós estamos em processo de aprendizado. Uma equipe que já transplanta virá a Manaus e no primeiro transplante essa equipe acompanhará o procedimento.
CP: Como é o trabalho com essa equipe?
LP: Eles já estiveram aqui neste mês e devem retornar no próximo dia 26. Nessa primeira viagem, já fizeram o primeiro ambulatório com os pacientes que vão fazer parte da fila de espera e vão retornar para o primeiro treinamento da equipe. Exemplo, você tem o paciente, mas precisa da estrutura hospitalar e dos exames necessários, e do pós-transplante instalado. Agora, estamos na fase de organização de todo o circuito, ou seja, tudo que vem antes, durante e depois. O paciente será paciente para toda vida. Terá vínculo com o hospital e fará um check up, a cada seis meses. O circuito todo precisa estar bem preparado e organizado para essa demanda.
CP: O doador vivo recebe assistência?
LP: Ele é acompanhado, mas a capacidade de recuperação dele é muito mais rápida. Ele é saudável e tirou uma parte do fígado, em quatro meses começa a regenerar e em aproximadamente dois anos, está com o órgão renovado. Ele não toma medicamento, mas recebe acompanhamento.
CP: Nesse ambulatório, realizado este mês, foi possível verificar quais as patologias mais frequentes nos pacientes da região?
LP: O primeiro ambulatório foi muito restrito porque recebeu voluntários. Mas temos observado muitos casos de hepatites, pacientes com sequelas de hepatites. É uma amostra muito limitada.
CP: Qual é o motivo da grande ocorrência de hepatites?
LP: A Fundação de Medicina Tropical já identificou a alta prevalência da hepatite B e em alguns lugares a hepatite do tipo Delta, entre outros casos de hepatite C. Essa última é cosmopolita, está no mundo inteiro. Temos hepatite B por uma característica de 11 anos, que a população não foi vacinada. Durante séculos essa doença se disseminou via sexual e pelo uso de drogas injetáveis. Em Lábrea, por exemplo, havia alta prevalência e à medida que as crianças foram sendo vacinadas a ocorrência diminuiu. Lá, as gestantes e os bebês tomaram a vacina.
CP: Por que o transplante de fígado foi escolhido? Há essa grande demanda de pacientes no Estado?
LP: É uma demanda do Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Os pacientes, hoje, viajam para o sul, sudeste ou nordeste do país. Além disso, somos uma região isolada.
CP: Quando tudo estiver funcionando, qual será a capacidade de realização deste tipo de transplante?
LP: Como não temos uma fila inicial fica difícil de estimar. O que temos é a informação do número de pessoas que vão para o tratamento fora do domicílio, mas nem todos se cadastram e vão direto para o outro Estado em busca de tratamento. Pelo cálculo de população, devemos ter o aproximadamente 40 pacientes por ano.
CP: Algum doador do Amazonas já beneficiou pacientes de outros Estados?
LP: Sim. Há casos em que o doador beneficia pacientes de outros Estados, que estão aguardando na fila de espera nacional. O problema da logística do nosso Estado, não contribui devido à baixa quantidade de voos. Um rim, por exemplo, tem até 30 horas pra você realizar o transplante e permitindo que seja levado para outro Estado. Mas, o coração já não dá, porque entre a retirada e o implante, há apenas quatro horas. A nossa ideia é que comecemos a fazer, em um curto espaço de tempo, todos os tipos de transplantes. Depois da cirurgia do fígado, vamos partir para o transplante de coração.
CIÊNCIAemPAUTA, por Adriana Pimentel e Cleidimar Pedroso