Estudo aponta uma quebra de hierarquia no cérebro
As informações dos sentidos recebidas pelo cérebro são repassadas ao mesmo tempo para várias regiões, não respeitando uma hierarquia no seu processamento que os cientistas acreditavam existir. A descoberta, objeto de artigo publicado na edição desta semana da revista Science, representa uma quebra de paradigma nos estudos sobre o funcionamento do órgão e indica que as áreas até agora consideradas mais “primitivas” do cérebro podem ter uma influência maior do que se pensava nos processos mais complexos da mente humana, como a linguagem, as decisões e a abstração.
Ao longo de décadas, os cientistas achavam que as informações dos sentidos viajavam da pele, olhos e ouvidos (o olfato usa um caminho diferente) para seu centro de recepção no cérebro, o tálamo, e então eram processadas sucessivamente por seis “camadas” do córtex: primeiro a do meio, de número quatro (L4); depois pelas superiores (L2 e L3); e por fim as mais profundas (L5 e L6); com a camada mais externa (L1) atuando como mecanismo de feedback associado ao aprendizado e à atenção. Mas experimentos em ratos conduzidos por Randy Bruno e Christine Constantinople, do Departamento de Neurociências da Universidade de Colúmbia, nos EUA, mostraram que na verdade o tálamo as envia simultaneamente para as camadas do meio e profundas.
“Nossas descobertas desafiam o dogma e abrem caminho para uma nova maneira de pensar como o córtex cerebral faz o que faz, o que inclui não só processar a visão, o som e o tato como também funções mais complexas como a fala, a tomada de decisões e o pensamento abstrato”, afirma Bruno.
Para descobrir o caminho que as informações dos sentidos fazem no cérebro, os pesquisadores se voltaram para o já bem conhecido funcionamento do sistema sensor dos bigodes dos ratos, que operam de maneira muito semelhante à dos dedos humanos, fornecendo dados sobre formato e textura. Segundo Bruno, este sistema demonstrou ser ideal para o estudo porque pesquisas passadas já haviam associado cada bigode a conjuntos cilíndricos específicos de neurônios no cérebro dos animais. Assim, ao estimular um bigode, eles puderam observar a reação de dezenas de neurônios no tálamo e no córtex, verificando que os sinais foram repassados pelo centro de recepção às camadas quatro e cinco ao mesmo tempo, sendo que a mais profunda recebeu um sinal forte mesmo diante do fato de 80% dos axônios – os fios condutores dos neurônios – do tálamo estarem ligados à do meio.
O estudo sugere que as camadas superiores e profundas do córtex cerebral formam circuitos separados e têm papéis diferentes no processamento das informações dos sentidos. Os cientistas acreditam que as camadas mais profundas são mais antigas evolucionariamente, tendo aparecido com os répteis, enquanto as superiores e a do meio surgiram em espécies mais evoluídas, ganhando uma espessura maior nos seres humanos. Segundo Bruno, uma possibilidade é que o processamento básico se dê nas camadas inferiores, como, por exemplo, seguir uma bola e coordenar os movimentos para tocá-la, enquanto processos que envolvem integrar contexto, experiência ou aprendizado se dê nas superiores, como observar onde um oponente está batendo na bola e planejar onde ir para devolvê-la.
Fonte: O Globo