Estudo pioneiro no Brasil faz levantamento genético de pacientes com Lobomicose, na Amazônia
CIÊNCIAEMPAUTA, POR ALESSANDRA KARLA LEITE
Um estudo inédito no Brasil está analisando o material genético de pacientes históricos da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) a partir dos blocos de parafina deixados pelos doentes em tratamento da Lobomicose, ou doença de Jorge Lobo, nos últimos 26 anos.
A pesquisa, intitulada “Imunogenética dos Pacientes Portadores de Lobomicose”, ganhou o primeiro lugar no XIV Programa de Apoio à Iniciação Científica (PAIC) realizado nos dias 6 e 7 de agosto, no auditório da FMT-HVD, em parceria com Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Os projetos foram desenvolvidos com aporte financeiro do governo do Estado via Fapeam por meio do Paic.
De autoria da bolsista do PAIC Ana Paula Klein, acadêmica do 10º período de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com orientação da Prof.Msc. Valeska Alburquerque Francesconi do Valle e colaboração do prof.Dr. Rajendranath Rama Sawmy e do Prof.Msc.Fabio Francesconi do Valle, o projeto tem o objetivo de verificar a suscetibilidade da população amazônica em relação a essa doença endêmica.
“Estou trabalhando no projeto há um ano e, o nosso objetivo, é descobrir o que o nosso hospedeiro daqui tem, o que ele produz ou deixa de produzir, que leva a desenvolver essa doença dermatológica comum na Região Amazônica. A nossa intenção é entender o porquê disso”, explicou Ana Paula.
A pesquisa visa aplicar uma estratégia de análise de associação caso-controle na investigação da participação dos genes na resposta imune do paciente da região Amazônica com Lobomicose.
De acordo com a pesquisadora do PAIC, da Fapeam, em todo o mundo, só existem 490 casos registrados, dos quais 318 estão concentrados na América do Sul, sendo a maioria no Brasil e, mais especificamente, na Amazônia. “Não se trata de um levantamento de dados e sim de um estudo do DNA da população amazônica, que é suscetível a essa doença. Usei material de pacientes históricos, já que o último caso aqui na FMT surgiu em 2010. Pesquisei o material genético deles, já que todos precisam fazer biópsia e assinam um termo para deixar a coleta aqui. Foi a partir destes blocos que pude fazer o estudo imunogenético”, disse.
Atualmente, os blocos de parafina contendo o material genético dos pacientes históricos estão em fase de análise, conforme Ana Paula Klein. “É um projeto caro e não dá para fazer em um ano. É da ordem de R$ 300 mil”, observou, acrescentando que um artigo internacional já foi publicado sobre a pesquisa. “Eu pretendo dar continuidade a esse projeto e publicar os resultados”, afirmou.
A pesquisadora destacou que só existe um estudo no Brasil sobre o assunto, na Universidade Federal do Pará (UFPA), embora a pesquisa da instituição tenha analisado somente 25 pacientes com Lobomicose, dosando citocina (um extenso grupo de moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes). “Então nosso estudo é pioneiro. Ninguém fez o que estamos fazendo, estudando o gene do doente”, ressaltou.
Na FMT, foram encontrados 74 casos, dos quais 22 pacientes apresentaram bloco de parafina disponível para o estudo imunogenético. Os blocos parafinados estão em processo de extração de DNA para a identificação do perfil imunogenético dos casos de Lobomicose.
Por se tratar de doença infecciosa, predominantemente amazônica, a caracterização molecular de antígenos imunogênicos por meio do estudo de pacientes acometidos pela Lobomicose, os resultados da pesquisa podem significar novas perspectivas na prevenção, diagnóstico e tratamento da doença.
A pesquisa tem como fontes de financiamento a Fapeam, a FMT-HVD e a Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (HEMOAM).
A doença
Lobomicose ou doença de Jorge Lobo é uma micose subcutânea de evolução crônica, causada pelo fungo Lacazia loboi. A maioria dos pacientes registrados é procedente da Amazônia Brasileira, onde se encontram 318 dos 490 casos já registrados até o ano 2000.
Apesar dos estudos existentes até o momento, o mecanismo de participação do sistema inume no controle e no desenvolvimento da Lobomicose não foi totalmente esclarecido.
XIV PAIC Tropical
O Programa tem como objetivo apoiar, com recursos financeiros e bolsas institucionais, estudantes de graduação interessados em desenvolver pesquisas em instituições públicas e privadas no Amazonas.
De acordo com a chefe do departamento de pesquisa, coordenadora do congresso e do Paic na FMT-HVD, Maria das Graças Vale Barbosa Guerra, a intenção do Paic é iniciar os alunos de graduação na pesquisa. “O aluno descobre se tem aptidão, se ele realmente quer a pesquisa na vida dele, se vai seguir carreira acadêmica. Ao longo dos anos fomos aprimorando o nosso processo de seleção. Temos egressos do Paic que hoje fazem doutorado, alguns se identificam em determinadas áreas, outros mudam e vão embora”, avaliou a coordenadora.
Segundo e terceiro lugar
As bolsistas Lígia Heinrichs Freitas e Lisiane Rísia Pinto Barbosa ganharam o segundo e o terceiro lugar do XIV PAIC.
Com o projeto intitulado “Doença de Chagas em Pacientes atendidos na Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado – Estudo Longitudinal” , Lígia alcançou o segundo lugar.
A pesquisa tem o objetivo de estudar aspectos clínicos e evolutivos da DC em pacientes atendidos na FMT-HVD, atendendo à demanda da Amazônia, cujos fatores de risco para que a Doença de Chagas torne-se uma endemia são migrações e desmatamento.
O terceiro lugar ficou com o projeto “Patologia Pulmonar na Malária: Uma Revisão Sistemática das Complicações Respiratórias Devido à Infecção por Malária e Possíveis Fatores Associados”, de Lisiane Barbosa. A pesquisa tem o intuito de descrever a apresentação clínica de complicações pulmonares devido à infecção malárica, levando em conta a espécie Plasmodium infectante, sua frequência e examinar possíveis fatores de risco envolvidos.
Foram 51 projetos selecionados, dos quais 40 são estudos inéditos na Fundação e 11 são pesquisas que já vinham sendo desenvolvidas e foram renovadas.
Todos os premiados ganharam passagem e inscrição para participar do 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que este ano acontecerá em Rio Branco, no Acre, com o tema “O Desafio dos Trópicos para a Saúde do Mundo”, entre os dias 26 e 29 de agosto.
CIÊNCIAemPAUTA, por Alessandra Karla Leite