Fiocruz desenvolve técnicas nacionais para diagnóstico de doenças

Tecnologias para o diagnóstico de um paciente que apresenta um quadro febril e a identificação de genes que mostram porque o paciente tem pré-disposição para ter determinada doença ou porque ele não responde de forma positiva a determinados medicamentos. Esses estudos fazem parte das diversas frentes de pesquisas realizadas pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD)/Fiocruz no Amazonas. São pesquisas para desenvolver tecnologias próprias e mais baratas em relação às tecnologias disponíveis no mercado. Ou que futuramente irão indicar a necessidade de tratamentos personalizados para cada paciente. Nessa entrevista, o vice-diretor de pesquisa do ILMD, Felipe Gomes Naveca explica quais estudos o instituto está desenvolvendo na área de diagnóstico das doenças comuns em nossa região.

CIÊNCIAemPAUTA: Uma das diretrizes da Fiocruz é o desenvolvimento de insumos de diagnósticos (kits). Esses kits promoverão agilidade na identificação dessas doenças que são comuns na região?

Felipe Naveca: Temos um grupo de pesquisa que trabalha para o desenvolvimento de insumo diagnóstico. É um kit diagnóstico pra malária, para rota-vírus. O desenvolvimento desse kit ainda não foi finalizado, mas está em desenvolvimento. É um teste para diagnóstico rápido. Para uma pessoa com diarréia, normalmente crianças, por exemplo. Nesse caso, são sintomas que podem ser causados por bactéria, um vírus ou outro agente. Se você tiver um diagnóstico rápido, pode direcionar um tratamento adequado.

CIÊNCIAemPAUTA: As unidades básicas de saúde estão mais perto dos pacientes, nos bairros. Esses kits poderão ser usados nessas unidades?

Felipe Naveca: Acredito que as unidades de saúde serão uma boa clientela para esses kits. É preciso de uma infraestrutura mínima pra fazer qualquer tipo de teste. O aconselhável é que esses testes sejam feitos em um ambiente com o mínimo de proteção para que a pessoa que estiver aplicando o exame não seja contaminada.

CIÊNCIAemPAUTA: Esses testes não existem? Ou esse grupo de pesquisadores se dedica à criação de uma tecnologia própria?

Felipe Naveca: Muitos testes já existem no mercado. Mas estamos falando de tecnologia nacional. Estamos desenvolvendo uma técnica nossa e isso vai diminuir o pagamento de  royalties para as empresas multinacionais. A Fiocruz no Rio de Janeiro tem uma unidade chamada Bio-Manguinhos. Essa é a nossa unidade de produção tanto pra insumos de diagnósticos como de vacina. Além de agregar valor no sentido das pessoas estarem produzindo algo, também há a diminuição dos custos.

Foto: Reprodução

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CIÊNCIAemPAUTA: O quadro clínico da dengue é semelhante ao de outras doenças. Há pesquisas para um melhor diagnóstico?

Felipe Naveca: Uma das pesquisas é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) para diagnóstico molecular para duas enfermidades. Por exemplo, um quadro febril agudo, principalmente nessa época do ano, você vai suspeitar de dengue, mas em 50% dos casos você não fecha o diagnóstico. Não é dengue? Não é malária? O que é? Provavelmente vai ser um vírus e na Amazônia há mais de 30 vírus que causam quadro semelhante. Vírus que foram identificados em humanos. Dois desses vírus tem maior impacto: Oropouche e Mayaro-vírus. Temos projetos para identificar o genoma desses vírus. Um deles usa a mesma tecnologia recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o diagnóstico da gripe aviária durante a pandemia, em 2009. Esses dois vírus existem, mas os casos não são notificados porque passam despercebidos. Hoje, o diagnóstico deles é feitos apenas em laboratórios de referência.

CIÊNCIAemPAUTA: Vocês desenvolvem pesquisas em Presidente Figueiredo.  Que tipo de pesquisa se faz nesse município?

Felipe Naveca: Em Presidente Figueiredo temos um campo avançado de pesquisas. Dentro de um assentamento rural, desde 2007 e trabalhamos pra identificar as formas de transmissão de várias doenças, como as de veiculação hídrica. Doenças transmitidas por vetores. Monitoramos parasitoses, síndromes febris. Queremos entender como essas doenças são transmitidas e sugerir intervenções à prefeitura daquele município. São estudos que, inclusive, contam com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fapeam. Uma das ações indicou que é preciso haver aconselhamento das famílias para que protejam melhor suas cisternas, para não deixar animais contaminarem a água, por exemplo.

CIÊNCIAemPAUTA: Há um diagnóstico de ponta que pode identificar porque o paciente é resistente a determinado tratamento. Como funciona esse diagnóstico?

Felipe Naveca: Temos uma parceria com a Fundação Alfredo da Matta (FUAM) na plataforma de genoma. Trata-se de um equipamento que foi adquirido pelo programa Pró-Estado da Fapeam. Esse equipamento permite a análise do DNA tanto humano quanto de um patógeno (agente que pode provocar uma doença). Permite que façamos estudos para caracterizar uma doença ou a pessoa que tem aquela doença. Em casos de hanseníase, por exemplo, há pacientes que têm resistência medicamentosa, ou seja, o indivíduo toma a medicação, mas não responde adequadamente ao medicamento. A literatura demonstra que você pode procurar no genoma do agente causador da hanseníase e ver se ele possui alterações que fazem com que fique resistente à droga. Isso pode ser feito com esse equipamento.

CIÊNCIAemPAUTA: Algumas pessoas têm pré-disposição para determinadas doenças. Vocês também desenvolvem estudos nesse sentido?

Felipe Naveca: Nesse caso estudamos o genoma do paciente, e não do agente causador. Esses pacientes têm uma variação do genoma com maior predisposição da doença, ou não. Iniciamos esse estudo com uma dissertação de mestrado em parceria com o Alfredo da Matta em que fui co-orientador. Estudamos alguns genes da resposta imunológica. Observamos uma estatística muito significativa de algumas variações das pessoas com hanseníase e a predisposição, ou seja, no grupo que tinha hanseníase possuía um marcador genético específico. É um marcador que indica que o paciente tem maior sensibilidade àquela doença e quando esse marcador é identificado temos que ter maior cuidado com esse paciente. Agora estamos com uma parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para fazermos um estudo semelhante em tuberculose. Mas também queremos estender para estudos sobre a dengue, leishmaniose e outras doenças infecciosas.

CIÊNCIAemPAUTA: Hoje são pesquisas básicas, mas como poderão se tornar aplicadas?

Felipe Naveca: Futuramente uma indústria farmacêutica pode usar essas informações desenvolvendo drogas específicas para esse tipo de paciente. Não é algo imediato, mas que vem sendo muito discutido na área de medicina personalizada.

 

CIÊNCIAemPAUTA, por Cleidimar Pedroso