Ganhos recíprocos

Exemplares do protozoário Toxoplasma gondii (magenta) em célula do fígado. Foto: Reprodução

Pesquisadores de Minas Gerais identificaram um possível mecanismo de reação do organismo de roedores aos ataques do protozoário Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose. Sob a coordenação do imunologista, Ricardo Gazzinelli, eles verificaram que a resposta eficiente do sistema de defesa de camundongos à infecção por toxoplasma depende da ação orquestrada de quatro proteínas produzidas pelas células dendríticas, as primeiras células do sistema imune a entrar em contato com o parasita.

Essas quatro proteínas pertencem à família dos toll-like receptors (TLRs), moléculas expressas pelas células de defesa que identificam pedaços de microrganismos invasores. Elas compõem um mecanismo primordial de proteção bastante preservado do ponto de vista evolutivo — são encontradas em peixes, aves e mamíferos. “Esses receptores são muito específicos no reconhecimento de moléculas associadas a agentes infecciosos que ameaçam a sobrevivência dos organismos hospedeiros”, explica Gazzinelli, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Minas Gerais.

Duas dessas proteínas, a TLR-7 e a TLR-9, já eram bem conhecidas dos imunologistas. Elas detectam diferentes microrganismos ao reconhecer trechos de seu material genético. Em 2013, Gazzinelli e Warrison Andrade, então seu aluno de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), verificaram que essas proteínas agem em conjunto com outras duas mais seletivas do mesmo grupo: a TLR-11 e a TLR-12. Até hoje encontrados só em roedores, os principais hospedeiros intermediários do toxoplasma, esses receptores detectam a profilina, proteína essencial para a motilidade do protozoário e sua capacidade de invadir as células do hospedeiro, em cujo interior se multiplica. Sempre que identificam a profilina, as toll-like receptors 11 e 12 iniciam uma reação em cadeia que termina com a produção das proteínas immunity-related GTPase, ou IRGs, que destroem as vesículas em que os protozoários se alojam.

A existência de proteínas especializadas em identificar o toxoplasma é, para os pesquisadores, uma evidência de como a exposição ao protozoário por milênios pode ter ajudado a moldar o sistema de defesa do hospedeiro, de modo que ambos vivam em relativa harmonia. Surgidos de mutações no material genético do hospedeiro, os genes que codificam as TLR-11 e 12 permitiram aos roedores sobreviver à infecção por toxoplasma ao eliminar a maior parte dos parasitas. E não foram de todo ruim para o protozoário, que não é eliminado por completo.

“Esse equilíbrio evita que o toxoplasma mate seu hospedeiro intermediário, aumentando as chances do parasita de alcançar o organismo de gatos e outros felinos, seus hospedeiros definitivos”, explica Gazzinelli.

A evolução das proteínas TLR ocorreu em milhões de anos. Hoje cada proteína dessa família exerce função semelhante, mas com especificidade distinta. “Cada proteína da família TLR reconhece uma molécula específica e bem preservada dos microrganismos patogênicos”, conta o pesquisador. “Por desempenharem função importante no combate aos microrganismos invasores, elas se tornaram altamente conservadas.” No caso do toxoplasma, o reconhecimento da profilina pelas TLR-11 e 12 dos roedores gerou um equilíbrio estável entre o parasita e seu hospedeiro.

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Fonte: Revista Fapesp