Hábito de cozinhar desenvolveu o cérebro humano
Entre os grandes primatas, parece haver uma oposição entre o desenvolvimento corporal e o cerebral. Os gorilas são os maiores primatas do mundo – um macho da espécie pode ser até três vezes maior do que um homem. No entanto, eles possuem cérebros pequenos, com apenas um terço da quantia de neurônios dos Homo sapiens. Já os chimpanzés, apesar de menores, têm cérebros de tamanho relativamente parecido com os dos humanos. Isso acontece porque a energia necessária para manter milhões de neurônios funcionando é alta e, em alguns casos, vale mais a pena gastar as escassas calorias disponíveis em outros órgãos.
O cérebro humano, no entanto, é um ponto fora dessa curva. Existiu algo de único no desenvolvimento humano que permitiu com que o homem superasse as limitações sofridas por todos os outros primatas e desenvolvesse o maior cérebro, que gasta 20% de toda a energia do corpo.
Segundo uma pesquisa publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), no último dia 22 de outubro, essa exclusividade da evolução humana pode ser explicada pelo advento da cozinha. “Nossos estudos sugerem que o domínio do fogo e seu uso para cozinhar os alimentos permitiram que nós nos tornássemos humanos”, disse a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das autoras do estudo, em entrevista ao site de revista Veja.
COZINHEIROS
Para descobrir o que diferenciava os humanos dos outros primatas, a cientista comparou a dieta de todas as espécies com sua necessidade diária de calorias. “Um gorila, por exemplo, precisa se alimentar durante oito horas e meia para manter seu corpo e cérebro funcionando”, diz a pesquisadora. Nesse caso, desenvolver um cérebro maior estava fora de cogitação. Os chimpanzés também se alimentam por um longo período, cerca de sete horas, mas conseguiram desenvolver um cérebro relativamente maior por terem um corpo menor.
Com os dados, a pesquisadora conseguiu explicar a existência de duas linhagens de primatas: os grandes de cérebro pequenos, e os pequenos de cérebro relativamente grande. Mas, ainda assim, não conseguiu explicar o desenvolvimento do cérebro humano. “Se seguíssemos a mesma dieta dos outros primatas, teríamos que gastar nove horas e meia por dia nos alimentando, o que é inviável. Algo nos libertou dessa limitação”, diz Suzana.
O DOMÍNIO DO FOGO
Essa libertação teria vindo com uma mudança na dieta que aconteceu durante o desenvolvimento dos Homo erectus, ancestrais humanos que surgiram há 1,8 milhão de anos. Foram eles os responsáveis por dominar o fogo e cozinhar os pedaços de carne e vegetais que antes eram consumidos crus. Com o cozimento, o homem se tornou capaz de digerir mais calorias a partir da mesma quantidade de comida, podendo gastar o ‘excesso’ de energia no desenvolvimento de novos neurônios.
Além disso, passou a gastar menos tempo se alimentando, podendo exercer outras atividades durante seu dia. “Assim, o desenvolvimento de um grande número de neurônios deixou de ser um risco e se tornou uma grande vantagem evolutiva. Com o tempo livre, o homem passou a usar esses neurônios para resolver problemas e a pressão evolutiva levou ao aumento gradual do cérebro”, diz Suzana Herculano-Houzel.
Fonte: Veja