Ierecê Barbosa, professora da UEA

CIÊNCIAEMPAUTA, POR FABRÍCIO ÂNGELO

Ierecê Barbosa. Foto: arquivo pessoal

Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os níveis foi também crescendo de importância, sendo objeto de inúmeros movimentos de transformação do ensino.

Isso tem resultado no desenvolvimento e incentivo a novas práticas acadêmicas que levem a sociedade buscar uma melhor compreensão dos processos e políticas públicas que regem a formação de pesquisa e ensino nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) como a divulgação e alfabetização científica.

Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e com doutorado em Educação pela Universidade do Rio Grande do Norte (UFRN), Ierecê dos Santos Barbosa, é docente da pós-graduação em Educação em Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

A professora, que também é escritora e está lançando seu primeiro romance, conversou com o CIÊNCIAemPAUTA sobre essa nova forma de lecionar Ciências e como o Estado está inserido nesse contexto.

CIÊNCIAemPAUTA: Muito se fala em novos modelos de divulgação da ciência, novas ferramentas que possam trazer a sociedade mais próxima dos temas científicos, às vezes considerados complicados. Como a educação formal em ciências pode incentivar essa aproximação, principalmente nos níveis iniciais de escolaridade?

Ierecê Barbosa: A educação formal em ciências deve ser iniciada na Educação Infantil, de modo triangular com conteúdo científico, metodologia adequada e atitudes. Há poucos dias, meu netinho de 3 anos questionou minha secretária por ter deixado a torneira da pia pingando. E falou: – Não é Vovó, que não pode deixar a torneira pingar? E ele mesmo respondeu: – Desperdiçar água é ruim para o planeta. Confesso que fiquei surpresa e feliz. Surpresa por uma criança que frequenta o maternal já possuir subsídios de educação científica e feliz por detectar que a Educação em Ciências vem ganhando espaço. A aproximação pode se dar pela didática das ciências, que se bem utilizada pelos professores pode trazer resultados surpreendentes, mas os adultos têm que ter atitudes proativas. As pessoas aprendem o que vivem.

CIÊNCIAemPAUTA: Uma vez que estamos na Amazônia, portanto deveríamos estar à frente nas ações de divulgação e educação em ciências, como você vê o atual estágio desses temas no Amazonas?

IB: Sim, deveríamos. No entanto, o isolamento da Região atropelou o processo, mas penso que hoje isso não serve mais de desculpa, tanto que o Programa de Mestrado em Educação em Ciências, da Escola Normal Superior da UEA tem desenvolvido pesquisas significativas na área, com foco em todos os níveis de ensino.  Antigamente, a ciência era território demarcado de seres “iluminados” e, no caso brasileiro, se concentravam no Sul e Sudeste. Hoje, sabemos que isso é um equivoco, pois é possível repassar conceitos científicos às pessoas, independente da escolaridade e da faixa etária. Entretanto, é necessário utilizar a didática das ciências para não afugentar o aprendiz, pois quando o objetivo é muito remoto o estímulo para alcançá-lo se atenua. Somente um processo de construção mútua tornará possível a alfabetização cientifica. Quanto à divulgação científica penso que estamos apenas engatinhando, justamente por causa dessa herança cultural. Nossa trajetória era de comunicação científica (entre pares), e a divulgação dos avanços da ciência para a sociedade em geral ficou a desejar. Hoje, já temos no Programa de Mestrado em Educação em Ciências uma linha de pesquisa que contempla a divulgação científica, o que é, sem duvida, um grande avanço.

CIÊNCIAemPAUTA: Quando falamos em divulgação científica, o jornalismo sempre vem à mente, pois é uma ferramenta importante. Você, enquanto docente do curso de Comunicação Social, acredita que o jornalista possa ser preparado para falar de CT&I?

IB: Claro, não só pode como deve. Eu mesma já participei de um curso de Jornalismo Científico e muitas categorias profissionais já perceberam a necessidade de se aproximar de diversos públicos. Lembro que eu tinha um livrinho intitulado O Livro Branco do Jornalismo, era composto de termas médicos para auxiliar os jornalistas a compreender melhor a questão da saúde em suas matérias, evitando os equívocos e divulgando conceitos relevantes para a população.

CIÊNCIAemPAUTA: Como a pós-graduação em áreas como educação e ciências e divulgação científica pode ajudar a fortalecer a pesquisa e investimentos em CT&I?

IB: Ciência e Tecnologia andam de mãos dadas, portanto os programas de pós- graduação têm que dizer para o que vieram, o que fazem, o que produzem e se aproximar mais e mais da sociedade. Ressalto que para isso são necessários mais investimentos em programas de pós-graduação. Geralmente, os recursos são escassos e os pesquisadores fazem um esforço pessoal muito grande para concluírem suas pesquisas. Não se alavanca pesquisa de ponta sem investimento, se alguém conhece outra fórmula que me apresente, ficarei muito grata. Temos excelentes pesquisadores na Região, mas, muitas vezes, os editais das agências de fomento já são direcionados para áreas específicas e impedem que os pesquisadores em geral concorram aos investimentos, apresentando seus projetos.

CIÊNCIAemPAUTA: Além de pesquisadora e professora você também é romancista. Conte-nos um pouco sobre seus trabalhos e seu próximo lançamento.

IB: Tenho uma relação muito próxima com a escrita. Tenho 21 livros publicados, sendo que 11 individualmente e dez em parceria com outros autores. A maioria é livro técnico, mas tenho três livros de poesias, um de crônicas e estou lançando meu primeiro romance intitulado Os anjos também surtam. Trata-se de um romance psicopedagógico e que almeja ser paradidático, ou seja, outra forma de levar conhecimento aos alunos, mesclando conceitos científicos e ficção.  O segundo, O homem que jantava sozinho, já está saindo do forno. No momento, estou escrevendo O leilão e espero lançá-lo em 2015. Mas, minha relação com a escrita é curiosa. Fui uma criança com sérios problemas de aprendizagem. Aprendi a ler com quatro anos devido a certo isolamento causado por um acidente que me vitimou e me deixou em cadeira de rodas por muito tempo, mas não sabia escrever. Quando fui para a escola, aos sete anos, tinha um saldo de três anos de leitura de gibis e fotonovelas e a professora escrevia no quadro com uma letra linda e maravilhosa: Ivo viu a uva; o bebe baba. Eu detestava a escola, tinha sérios problemas de coordenação motora e minha capacidade de raciocínio era muito mais veloz do que minha motricidade, eu escrevia pela metade e tal dificuldade me acompanhou vida afora. Tentei superar e desenvolvi uma paixão pela escrita. Coincidência ou não, hoje, trabalho com as teorias de aprendizagem, atreladas à neurociência e sei que poderia ter ficado à margem do saber sistematizado se não fosse a sabedoria de minha mãe, que não me deixava desistir mediante os ricos vermelhos e os recados irônicos que alguns professores deixavam nos meus cadernos. Não repito isso enquanto docente, procuro ser para meus alunos tudo aquilo que meus professores não foram para mim.

CIÊNCIAemPAUTA, por Fabrício Ângelo