Incêndio destrói 70% da estação brasileira na Antártica
27/02/12 – De acordo com o embaixador do Brasil no Chile, Frederico Cezar de Araujo, as apurações preliminares indicam que uma falha no sistema elétrico gerou o incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz, na Ilha Rei George. Independentemente das causas do acidente, o diplomata reiterou que a ordem da presidenta Dilma Rousseff é começar "o mais rápido possível" o trabalho de reconstrução da estação.
Em nota, a Marinha informou que as avaliações preliminares indicam que aproximadamente 70% das instalações da base brasileira na Antártica foram destruídas pelo incêndio ocorrido no sábado (25). O prédio principal, onde ficavam a parte habitável e alguns laboratórios de pesquisas, foi completamente destruído.
Permaneceram intactos, porém, os refúgios (módulos isolados para casos de emergência), os laboratórios (de meteorologia, de química e de estudo da alta atmosfera), os tanques de combustíveis e o heliponto, que são estruturas isoladas do prédio principal.
A nota da Marinha informa ainda que os corpos dos dois militares mortos no incêndio da base brasileira foram localizados e transferidos para a estação chilena Eduardo Frei. De acordo com a Marinha, um grupo-base da estação brasileira retornou no mesmo dia ao local do incêndio, apoiado por um helicóptero da Força Aérea do Chile, para uma avaliação inicial, e localizou os corpos do suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e do sargento Roberto Lopes dos Santos.
Os corpos foram levados para a base chilena, onde aguardam transferência para a cidade de Punta Arenas, no Sul do Chile, e posterior traslado para o Brasil. De acordo com a nota da Marinha, o traslado depende das condições meteorológicas na região.
Pesquisas – O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz comprometeu 40% do programa antártico brasileiro. A avaliação é do diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jefferson Simões, que já esteve 19 vezes no continente gelado, das quais cinco na Comandante Ferraz.
"Foram afetadas principalmente as áreas de biociência, algumas pesquisas sobre química atmosférica, de monitoramento ambiental, principalmente sobre o impacto da atividade humana naquela região do planeta. Infelizmente, isso também representou uma perda enorme em termos de equipamentos. Ainda não podemos estimar, mas ultrapassa a casa da dezena de milhões de dólares", lamenta o pesquisador.
Segundo Simões, no entanto, o programa antártico continuará funcionando porque a Comandante Ferraz, apesar de concentrar uma parte importante das pesquisas brasileiras, não era a única estação científica brasileira. Ele explica que, pelo menos metade dos pesquisadores, trabalha em navios de pesquisa ou em acampamentos isolados na Antártica.
Além disso, Simões conta que, em janeiro deste ano, foi inaugurado um módulo de pesquisa no próprio Continente Antártico, chamado de Criosfera 1, localizado a 2.500 quilômetros ao sul da Comandante Ferraz, que está concentrando importantes pesquisas brasileiras. Segundo a Academia Brasileira de Ciências, essa é a estação de pesquisas latino-americana mais próxima do Polo Sul.
"É um módulo totalmente automatizado, que coleta dados meteorológicos, de química atmosférica, inclusive dióxido de carbono, e outros estudos. Essa expedição [de instalação do módulo] foi liderada por mim, com pesquisadores de sete instituições nacionais, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro", disse.
De acordo com o pesquisador, a reconstrução da Estação Comandante Ferraz demorará, pelo menos, dois anos, em consequência das condições geográficas da Ilha Rei George. "O processo de reconstrução, para voltar ao nível em que estava, demorará de dois a três anos. A logística é muito difícil e só podemos construir durante o verão antártico. E o inverno já está chegando", disse.
Retorno – Cerca de 40 integrantes da Estação Antártica Comandante Ferraz, entre eles pesquisadores e servidores civis da base, chegaram por volta da 1h15 de hoje (27) à Base Aérea do Galeão, no Rio. O avião C-130 Hércules, da Força Aérea Brasileira (FAB), decolou de Punta Arenas, no Chile, na tarde de ontem (26) e, antes de chegar ao Rio, fez escala em Pelotas (RS) para o desembarque de quatro pesquisadores.
No momento do desembarque no Galeão, no rosto da maioria transparecia o cansaço. Um dos passageiros chegou a levantar as mãos ao céu, como se agradecesse por ter chegado bem ao Brasil. A pesquisadora Terezinha Absher, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ainda estava assustada ao falar com a imprensa.
"Eu estou assim, porque foi realmente assustador tudo aquilo. Nós ficamos do lado de fora, vendo a estação pegar fogo. Eu nem vou falar muito porque ainda estou emocionada. Foi traumatizante porque, há 20 anos, eu trabalho na Antártica, passo muitos meses lá. Era como se fosse minha casa pegando fogo. A estação é de todos os brasileiros, mas eu me sentia como se fosse a minha casa. Perdi tudo. Todo o meu material de pesquisa e todos os objetos particulares. Não sei se voltaria para lá", disse Terezinha, que trabalha com invertebrados marinhos.
Jasson Mariano, servidor civil da Marinha na manutenção da base, conta que ajudou a tentar apagar o incêndio na casa de máquinas. "Fomos acordados pelo nosso superior, nos chamando apavorado, dizendo que estava pegando fogo na base. Nós saímos com o uniforme de trabalho e fomos apoiar o grupo-base para tentar combater o fogo. Tentamos esticar a mangueira para pegar água do mar com as bombas, mas o incêndio se propagou muito rápido. A luta foi grande, mas não conseguimos", relatou ele, que estava desde novembro na estação e retornaria ao Brasil no fim de março.
Também servidor da Marinha, Marcos da Conceição, demonstrava muito cansaço. "A família sempre vinha na minha cabeça. Na cabeça de todos nós. Estou muito cansado. Está até difícil falar com vocês agora", disse.
A bióloga Fernanda Siviero, que estava desde o início do fevereiro na estação antártica, conta que os integrantes da base passaram por grande susto. "A gente estava na base quando foi dado o alarme de incêndio, a gente fez o procedimento de evacuação e ficamos seguros em uma parte da base [isolada]. Ficamos muito consternados e assustados com essa situação toda do incêndio. A gente não acreditou, na verdade, que fosse tomar uma proporção tão grande. Imaginamos que fosse de fácil controle. Achamos que ia ser só um susto e que, daqui a pouco, estaríamos de volta. Infelizmente não foi."
Já o pesquisador da Universidade de São Paulo, Caio Cipro, lamenta a perda das amostras de sua pesquisa. "As amostras são insubstituíveis. Eu estava participando de um projeto de hidrografia e a gente perdeu as amostras todas que foram coletadas desde dezembro [do ano passado]. Elas foram perdidas, porque têm que ficar congeladas. Como a estação está sem energia elétrica, uma vez descongeladas, as amostras não servem mais", explicou.
O sargento da Marinha Luciano Gomes Medeiros, que ficou ferido quando tentava combater o incêndio, foi o último a desembarcar. Com as mãos enfaixadas, ele foi colocado em uma cadeira de rodas e encaminhado a uma ambulância, para ser levado ao Hospital Naval Marcílio Dias.
Nota do Inpe – Com forte atuação no Programa Antártico Brasileiro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lamenta profundamente o acidente na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) e se solidariza aos familiares dos dois militares que foram vítimas da tragédia, bem como a todos os envolvidos no Proantar.
No momento do acidente, estavam na EACF dois profissionais do Inpe. José Roberto Chagas, da Divisão de Geofísica Espacial, e José Valentin Bageston, da Divisão de Aeronomia, estavam na Antártica desde o dia 10 de fevereiro e tinham retorno previsto para o início de março. Eles estão bem e desembarcaram no Rio de Janeiro na madrugada desta segunda-feira, com o grupo trazido de Punta Arenas, Chile, em avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Ainda hoje ambos devem chegar a São José dos Campos.
Segundo relatos dos técnicos, logo que foram detectadas as chamas na Casa das Máquinas o Grupo Base da Marinha, responsável pela manutenção da EACF, orientou que se deixasse imediatamente a Estação, seguindo as instruções do treinamento que todos recebem rotineiramente para atuar em Ferraz. Até serem levados para a base chilena Eduardo Frei, os técnicos do Inpe aguardaram no módulo utilizado para pesquisas na área de Ozônio. Outros pesquisadores foram para o módulo Meteoro, que também abriga instalações do instituto.
Nenhum dos laboratórios do Inpe foi atingido pelo incêndio. Os dois mais próximos da estação são os módulos de Ozônio e o Meteoro. Já o módulo Ionosfera fica a aproximadamente 300 metros da estação, enquanto o módulo da Alta Atmosfera, onde estão um radar e instrumentos ópticos, está a cerca de um quilômetro de distância.
Estavam em andamento atividades que preparam as instalações para enfrentar o próximo inverno. Com o acidente, não foi possível tomar nenhuma ação para proteger os equipamentos. Os pesquisadores agora avaliam o retorno à Ferraz para evitar danos à instrumentação, que está sem energia, e dar prosseguimento aos projetos de pesquisas.
O Inpe possui três projetos na EACF. Sob a coordenação de Neusa Paes Leme, o primeiro é denominado "A Atmosfera Antártica e Conexões com a América do Sul". Vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), o projeto mantém atividades nos seguintes temas: Alta Atmosfera Neutra, Monitoramento da Ionosfera, Ozônio e Radiação UV, Meteorologia e Gases Minoritários.
O segundo é o "ATMANTAR", que reúne ações em continuidade aos projetos do Ano Polar Internacional, também coordenado por Neusa Paes Leme. E o terceiro é chamado "Monitoramento da alta atmosfera na região Antártica e na América do Sul", que tem como coordenadora a Dra. Emilia Correia. Os projetos são realizados em colaboração com outras instituições nacionais e estrangeiras.
Além dos projetos baseados na EACF, o Inpe realiza atividades no âmbito do Proantar com o apoio de navios oceanográficos e, desde janeiro, conta com o módulo Criosfera, instalado no interior do continente (na latitude 85°S, a cerca de 500 quilômetros do Pólo Sul geográfico – já a Estação Ferraz, inaugurada há 28 anos, está localizada na latitude 62°S, na borda do continente).
O Inpe conduz pesquisas na região desde o início do Programa Antártico Brasileiro, há 30 anos, com estudos sobre a dinâmica da atmosfera, a camada de ozônio, meteorologia, gases do efeito estufa, a radiação ultravioleta, a relação sol-terra, o transporte de poluição, oceanografia e interação oceano-atmosfera.
Fonte: Jornal da Ciência com informações da Agência Brasil e Inpe