Insensatez à vista

Por Odenildo Sena*

Dessas coisas que ainda acontecem no Brasil. Projeto que tramita no Senado Federal, já com parecer favorável aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esportes, libera instituições de ensino superior privadas a contratar professores sem a exigência de que sejam mestres ou doutores. À primeira vista, parece algo perfeitamente cabível e sem nenhuma consequência nefasta para o presente e o futuro do país. Afinal, argumentam os defensores da medida, há muita gente por aí só com graduação que tem muita experiência e muito a ensinar. Além disso, arrematam, não há mestres e doutores suficientes para atender à enorme demanda de cursos de graduação espalhados pelo Brasil afora. Analisado, entretanto, sob o enfoque de uma lente de aumento que não precisa ser muito forte, pode-se verificar que a medida tem caráter oportunista, endereço certo e não está nem aí para aquilo de que contemporaneamente o país, de fato, precisa para enfrentar a dura competitividade de um mundo onde, a cada dia, a qualidade de formação de capital intelectual é peça chave para se conseguir um lugar ao sol. Ora, ora, venhamos e convenhamos, como diria minha velha mãe, que há gente por aí com experiência acumulada, mas sem pós-graduação, é indiscutível. Mas aí não estamos falando de regra e sim de casos particulares que, inclusive, podem e devem ser capitalizados no âmbito de uma formação pós-graduada. É, no mínimo, pouco sensato desconsiderar que os possuidores de títulos de mestrado e doutorado carregam consigo uma sólida bagagem abrangente a conhecimentos teóricos e a técnicas de pesquisa e metodologia científica que os portadores de graduação não têm. Isso, inquestionavelmente, se reflete na qualidade daqueles que estão sendo formados. E não estamos descobrindo a pólvora, mas apenas lembrando que assim acontece nos países desenvolvidos que nos servem de referência e naqueles que entraram na briga para conquistar esse status, como China, Índia e Coréia. Acrescente-se a isso o fato de que hoje o Brasil forma perto de 12 mil doutores por ano nas diversas áreas do conhecimento, quatro vezes mais do que formava há dez anos. Sabe-se que ainda é pouco para o muito de que precisamos e que algumas áreas, como as engenharias, estão a merecer uma urgente e verticalizada atenção. O razoável, portanto, ao invés do simplismo do retrocesso, é defender que mais recursos sejam destinados para formar pessoal altamente qualificado e não desconstruir um processo que, por força do acerto na LDB, vem tendo êxito há 15 anos. Ademais, não é segredo que o aludido projeto tem como patrocinadores grandes empresários da educação que, entre pagar um bom salário a um experiente professor doutor, preferem contratar dois ou três graduados, mesmo em detrimento do óbvio. E tem mais, como diria minha sábia mãe, não aluem uma pena para investir na formação pós-graduada de seus quadros. Quando muito, pegam prontos, formados com recursos públicos.

* Odenildo Sena é Secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas e Presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I. Este artigo foi publicado simultaneamente no Jornal Diário do Amazonas e no Portal Amazônia no dia 26/07/2011.