Interesse pelo ser humano? – Graça Oliveira

ARTIGO

* Graça Oliveira

Época muito curiosa essa nossa, para dizer o mínimo. Dia desses, enquanto eu aguardava um lanche, em uma hamburgueria em Brasília, pude observar, entre surpresa e perplexa, uma mesa à minha direita com sete jovens; todos, sem faltar unzinho, mexendo nos smartphones.

Quem me lê há de convir que para uma psiquiatra, essa é uma cena quase tão chocante quanto um pássaro sem bico para um ornitólogo. Explico-me: do ponto de vista do desenvolvimento humano, a adolescência é, por excelência, a etapa da vida na qual se intensifica o processo de estabelecimento de um conjunto de habilidades denominadas “sociais”.

Não duvido que provavelmente a maioria, se não todos, estavam nas redes sociais, mas caberia a pergunta: o que os atraia tanto? O ser humano na outra ponta ou o impacto do próprio post? Difícil saber…

Assumindo a melhor das respostas, isto é, o ser humano, resta uma outra pergunta: por que a pessoa que não é visível e tocável – pelo menos não naquele momento – atrai mais que a criatura de carne e osso escolhida para compartilhar um lanche, numa agradável tarde de domingo?

Pus-me a pensar, não sem certa inquietação, sobre as consequências e origens daquela cena bizarra. Entre a facilidade em “ligar” e “desligar” o outro, como propõe Bauman, e os desafios emocionais relacionados à construção de vínculos, a rede social virtual, sem dúvida, aparece como a porta ampla e larga, mais fácil e mais “tranquila”.

Entretanto, como desenvolver as habilidades necessárias ao estabelecimento de vínculos de afeto e confiança sem olhar nos olhos? Como aprender a ler o outro sem perscrutar-lhe a face? Como alcançar a riqueza de sua vida interior sem ouvir sua voz, sua prosódia, suas histórias? Como sentir a alegria de se perceber pessoalmente apreciado sem surpreender a ternura do sorriso que acolhe? Como aprender a amar alguém sem conviver?

É certo que para olhar nos olhos de alguém, é preciso vencer a timidez, ter um senso de valor pessoal minimamente constituído ou o mais difícil: encarar sua ausência dolorosa; para perscrutar a face de um outro ser humano é necessário expor sua própria face; para acessar a vida psíquica do outro é fundamental encontrar interesse em ouvir, é essencial alegrar-se com a entrega do outro e abdicar do trono do eu-sou-o-máximo; para regozijar-se com o sorriso de ternura do amigo, é preciso, antes, aceitar a possibilidade de não ser querido; para regalar-se com o maravilhoso sentimento de ser aceito e gostado é necessário compreender que ninguém é uma nota de cem dólares que a todos agrade. É crucial entender que não há nada de óbvio em ser amado, mas nada mais importante, nada mais protetor, nada mais alentador e promissor de felicidade.

Assim, como ninguém aprende a nadar com aulas teóricas, ninguém aprende a conviver sem viver ao lado; há que se jogar na piscina, há que se sentir a temperatura da água e, de preferência, com as duas mãos livres…

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Graça Oliveira é especialista e Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina; Especialista em Análise do Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo; Professora Adjunta e Coordenadora do Laboratório de Psiquiatria e Humanidades da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília .

Fonte: Correio Braziliense