Mineradora ameaça patrimônio pré-histórico na Amazônia

Arqueólogos precisam escalar tortuosos caminhos da floresta tropical, por  onde vagam onças e deslizam cobras, para chegar a um dos mais impressionantes  sítios da Amazônia: um grupo de cavernas e abrigos de pedras que guardam  segredos de seres humanos que viveram ali há mais de 8 mil anos.

Praticamente em qualquer outro lugar do mundo, essas cavernas seriam  preservadas como um valioso recurso de conhecimento da história humana  pré-histórica. Mas não neste remoto ponto da Amazônia, onde a Vale, a gigante  brasileira da mineração, avança na expansão de um dos maiores complexos  mineradores de ferro do mundo, um projeto que prevê a destruição de dezenas de  cavernas preciosas, de acordo com especialistas.

As cavernas, com sua espetacular riqueza mineral, representam um dilema para  o Brasil. A liga de ferro de Carajás, amplamente exportada para a China onde é  usada para fazer aço, é crucial para as ambições brasileiras de reanimar uma  economia modorrenta. Mas arqueólogos e outros pesquisadores ponderam que a  ênfase em ganhos financeiros a curto prazo ameaça destruir janelas para o  passado da região.

“Este é um momento crucial para aprendermos sobre a história humana da  Amazônia e, por extensão, do povoamento das Américas”, afirma o historiador  Genival Crescêncio, do Pará. “Deveríamos preservar esse sítio único para a  ciência, mas estamos destruindo-o para que os chineses abram novas fábricas de  carros”.

Especialistas dizem que as grutas de Carajás, que arqueólogos começaram a  explorar nos anos 80, oferecem pistas de como foram os primeiros assentamentos  humanos na maior floresta tropical do mundo, ajudando a montar o grande  quebra-cabeça do povoamento das Américas.

Fragmentos de vasos de cerâmica e instrumentos feitos de ametista e quartzo  estão entre os sinais de ocupação humana de milhares de anos de idade. Tais  artefatos, junto com uma grande abundância de grutas e abrigos de rocha, tornam  Carajás um dos locais mais importantes da Amazônia para o estudo dos povos  pré-históricos.

Pesquisadores têm encontrado cada vez mais evidências de que muita gente  viveu na região, o que antes era considerado impossível. Achava-se que a  Amazônia era incapaz de ter sustentado sociedades grandes e sofisticadas. Mas  novas descobertas revelam que a região pode ter abrigado vigorosos centros  urbanos antes da chegada de Cristóvão Colombo.

Antes delas, as pessoas moravam nas grutas. Em estudos na caverna de Pedra  Pintada, no Pará, similar às de Carajás, a arqueóloga americana Anna C.  Roosevelt descobriu que caçadores-coletores já ocupavam a região de 10.900 a  11.200 anos atrás, na mesma época em que os americanos do norte estavam caçando  mamutes, muito antes do que se imaginava.

Para alcançar as grutas de Carajás, pesquisadores precisam dirigir por horas  em estradas esburacadas que cortam a floresta, antes de escalar escarpas das  Montanhas Carajás, picos que se elevam sobre a mata. Araras voam sobre suas  cabeças e morcegos circulam dentro das cavernas nas quais tribos encontravam  abrigo.

A Vale diz que planeja criar 30 mil empregos com a expansão da mineração de  liga de ferro em Carajás, um projeto de US$ 20 bilhões chamado Serra Sul, que já  atrai milhares de migrantes para essa remota parte da Amazônia.

Para cumprir a legislação sobre sítios arqueológicos, os executivos da Vale  dizem que a empresa contratou arqueólogos e espeleólogos para pesquisar as  grutas — agrupadas ao redor da abertura da mina. A Vale adaptou a proposta de  construção para preservar algumas das grutas. Embora a empresa reconheça que  pelo menos 24 das grutas a serem destruídas são de “alta relevância”, a Vale diz  que pretende preservar cavernas em outra parte do Pará para compensar a  perda.

Fonte: O Globo