Ministério do Planejamento quer implementar política de licença de dados abertos

 

Durante o Congresso Internacional Software Livre e Governo Eletrônico (Consegi), realizado este mês em Brasília, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento anunciou um projeto-piloto de abertura dos dados de cadastro dos fornecedores do governo federal (Sicaf). Nesta entrevista, Nitai Bezerra da Silva, analista de TI da SLTI, conta as razões que levaram o Ministério a abrir os dados do Sicaf; da importância dessa medida para a interoperabilidade de sistemas e para o desenvolvimento da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, que reúne mais de 30 organizações, entre órgãos federais, universidades e representantes da sociedade civil. A iniciativa também é importante, segundo Silva, para a Política de Disseminação de Dados e Informações, que está sendo desenhada e prevê a implementação de uma licença de dados abertos brasileira.

WM – Por que vocês decidiram abrir esses dados? Quando vocês dizem que é um piloto, o que isso quer dizer?

Silva – A escolha de abrir os dados do Sicaf se deve a dois motivos: primeiramente, é dever do Ministério do Planejamento dar o exemplo e implementar dados abertos em seus sistemas, e como o Sicaf é gerido aqui, devíamos mostrar que "nosso espeto não é de pau". Segundo, enxergamos que o cadastro de fornecedores é um conjunto muito rico de dados e queremos potencializar seu uso e agregar mais valor disponibilizando-o para sociedade. Entendemos que dados abertos não é apenas transparência dos gastos públicos, mas também uma plataforma onde a sociedade desenvolve e compartilha serviços. Queremos fugir do usual, aguardamos o retorno da sociedade e temos a certeza que seremos surpreendidos. Usamos o termo piloto para esclarecermos que é um projeto experimental, no sentido de que estamos testando as tecnologias, desenhando processos, acumulando boas práticas, ou seja, estamos aprendendo como abrir dados. Toda essa experiência fundamenta várias de nossas decisões na Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (Inda).

WM – Do ponto de vista do governo, como a iniciativa de vocês pode contribuir para outras iniciativas de abertura de dados?

Silva – Para o governo, nosso piloto deve ser enxergado como modelo em abertura de dados. Utilizamos diversas tecnologias de ponta, e cada decisão importante foi registrada no nosso Guia de Abertura de Dados, um roteiro cobrindo questões de gestão no processo de abertura. O projeto-piloto levou quase dois meses para ser concluído, tempo recorde para a administração pública federal. Desenhamos uma arquitetura simples que pode ser replicada facilmente, e em breve todo o código fonte deverá estar disponível no portal do Software Público Brasileiro.

É importante frisar que o Sicaf foi uma experiência bem sucedida, e que ele está  totalmente de acordo com a arquitetura que estamos concebendo para a Inda, um modelo fortemente sustentado em padrões.

No último ano tivemos contato com vários gestores de dados do governo. Concluímos que o caminho ideal para ganharmos o patrocínio dos "donos" (guardiões) dos dados é mostrando os diversos benefícios diretos para os seus sistemas e serviços. É o que nós chamamos de modernizar a plataforma de interoperabilidade do seu sistema. É de se imaginar que o governo, com toda sua heterogeneidade e diversidade de instituições, enfrenta os mais diferentes problemas de interoperabilidade.

WM – Em relação a sociedade, sabemos que uma coisa importante, para demonstrar a validade de se abrir esses dados, é o seu uso para a criação de aplicações / serviços / visualizações. Vocês têm essa expectativa?

Silva – Sim, nós temos muitas expectativas em relação ao reuso dos dados pela sociedade. Já tivemos algumas notícias de reuso dos dados do Sicaf. No último ano, a SLTI participou de diversos eventos e debates com a participação de representantes da sociedade civil e do setor produtivo. Estamos totalmente abertos para dialogar.

Precisamos entender o clamor da sociedade pelos dados. O governo guarda muitos dados em suas bases, mas a sociedade tem a capacidade de agregar mais valor a eles. Sonhamos com um futuro, breve, onde o governo será tão aberto que o cidadão será enxergado como parte do governo, e a programação para criar novos serviços não estará restrita a poucos. Todos esses questionamentos estão sendo coordenados no desenvolvimento da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, onde participam mais de 30 organizações, entre órgãos federais, universidades e representantes da sociedade civil.

WM – Por que vocês escolheram as licenças Open Database License (OdbL) e Database Contents License (DbCl)?

Silva – Estamos tentando ser fiéis a todos os princípios de dados abertos, onde um deles sugere que o dado deve ser livre de regulação, patente, marca, e tudo que restrinja seu reuso. Reconhecemos que ainda não foram desenvolvidas licenças específicas de dados abertos ideais, dessa forma decidimos utilizar Licenças de Banco de Dados Aberto [Odbl e DbCl são licenças livres escritas especificamente para dados]. Nessa direção, dentro da Política de Disseminação de Dados e Informações, que estamos desenhando, está prevista a implementação de uma licença de dados abertos brasileira.

A OdBL é uma licença aberta (segundo os critérios da definição de conhecimento aberto – http://opendefinition.org). Isto é importante para garantir a interoperabilidade de licenças com outros dados abertos, quando o usuário dos dados, seja a sociedade ou o próprio governo, for fazer cruzamento entre esses dados e outros.

Bases de dados e bancos de dados têm algumas características específicas que as diferenciam de conteúdo, e por isso é necessário utilizar licenças que são específicas para utilização em bases de dados. Assim como, há alguns anos, considerando as diferenças de características entre software e conteúdo, desenvolveu-se a licença Creative Commons especificamente para licenciar conteúdo de forma livre (considerando-se o sentido de "livre" em espírito semelhante ao que a licença GPL faz para tornar o software livre).

A DBCL foi utilizada para o conteúdo dos dados pois, segundo o OpenDataCommons FAQ [2], direitos diferentes podem ser aplicáveis à base/conjunto de dados como um todo e ao conteúdo dos dados.

Fonte: Wireless Mundi, por Patrícia Cornils