Música e linguagem dividem mesmo espaço no cérebro

O resultado do estudo sugere que as regiões cerebrais que processam a sintaxe não estão limitadas apenas à linguagem falada. Foto: Reprodução

A noção de que a música é uma linguagem (e universal) nunca fez tanto sentido. Quando músicos de jazz se alternam numa improvisação é como se, de fato, estivessem conversando. Foi o que mostrou um estudo que analisou como a criatividade afetava o cérebro. No experimento, os pesquisadores da Escola Médica da Universidade John Hopkins, nos EUA, mostraram que o cérebro de jazzistas, quando imersos numa interação musical, têm uma forte ativação nas áreas tradicionalmente associadas à linguagem falada e à sintaxe – como as palavras são organizadas nas frases e sentenças.

O estudo publicado na revista Plos One usou ressonância magnética para rastrear a atividade cerebral de músicos de jazz enquanto estavam tocando e improvisando em conjunto. Geralmente, eles introduzem novas melodias, elaboram e modificam a estrutura musical no curso da performance. O resultado do estudo sugere que as regiões cerebrais que processam a sintaxe não estão limitadas apenas à linguagem falada. Pelo contrário, o cérebro usa essa área para processar a comunicação em geral, seja pela linguagem ou pela música.

AUTOR DE ESTUDO É MÚSICO E CIENTISTA

O estudo é de um badalado pesquisador, que também é músico, e há três anos apresentou um seminário no TED sobre como o cérebro funcionava durante um processo criativo. Na ocasião, além de jazzistas, ele também pesquisou a reação cerebral de rappers. E mostrou que o cérebro tinha reações diferentes quando fazia uma performance de improviso, ou seja, criando, do que quando apenas decorava uma música. Agora, o estudo vai além e mostra qual é a reação cerebral quando se toca jazz em conjunto.

“A pesquisa é específica a músicos de jazz, mas provavelmente é aplicável à ‘conversa’ musical de forma mais geral”, afirmou o professor Charles Limb, do Departamento de Otorrinolaringologia, Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Johns Hopkins.

O estudo também mostrou que existe uma diferença fundamental entre como o significado é processado pelo cérebro para a música e para a linguagem. É o sintático, e não semântico, que é a chave para este tipo de comunicação musical. Ou seja, na conversa musical, desliga-se a área do cérebro relacionada com a semântica – aquela que processa o significado da linguagem falada.

“O que faz sentido, porque a riqueza da estrutura da música é o que dá o seu significado. É possível ter um discurso substancial na música, sem qualquer palavra”, completou.

A improvisação liga áreas cerebrais chamadas giro frontal inferior e giro temporal superior e inferior. Enquanto isto, desativa a estrutura envolvida no processamento semântico, chamada giro angular e giro supramarginal.

Participaram do estudo 11 homens com idades entre 25 e 56 anos com proficiência na performance de jazz no piano. A cada dez minutos de sessão musical, um deles era testado no equipamento.

“Quando os músicos parecem imersos em pensamento, eles não estão simplesmente esperando a sua vez de tocar. Eles estão usando as áreas sintáticas do cérebro para processar o que eles ouviram e, em seguida, responder tocando uma nova série de notas que não foi previamente composta ou praticada”, comentou.

É o que explica, na prática, o músico Ricardo Fernandes, que toca bateria durante as sessões de jazz.

“Eu me sinto como se estivesse defendendo uma ideia. Da mesma forma que cada um tem uma maneira de falar e escolher determinadas palavras em detrimento de outras, na hora de tocar a gente também escolhe alguns caminhos de notas e prioriza uns intervalos. Isso dá uma personalidade a cada instrumentista. Quando você estuda música, começa a aprender as escalas e é dentro delas que é possível construir frases. Ou seja, é possível construir um sentido coerente para alguém”, comentou Fernandes.

Fonte: O Globo