O silêncio que fala alto. Muito alto.

* Odenildo Sena

Estava escrito em algum lugar, sob a forma de elogio, que o ministro Ayres Britto, recém-aposentado do STF, é dado ao exercício da veia poética. Dizem que seus pareceres em autos de processo (mesmo que autos tenham se tornado coisa juridicamente do passado) navegam por entre rima e poesia de variada natureza.

Data máxima vênia, creio haver um pouco de fantasia nisso. Uma veia que tem o mínimo de zelo com as palavras sabe que o maior valor delas não está no que se diz, mas no que elas deixam de dizer. Ou seja, não apenas a beleza e o fascínio, mas também o tom ardiloso e cruel das palavras estão no que elas abrigam sob o manto do silêncio. Pois ao se despedir da presidência do STF, o ilustre Ministro declarou, apelando para o barulho das palavras, que, a partir do julgamento do chamado ‘mensalão’, “o STF muda a cultura no País”. Ou seja, confiou no visível das palavras, mas derrapou na sua, por vezes, cruel invisibilidade. Elementar. Se, a partir desse julgamento, “o STF muda a cultura no País”, o Ministro acaba de dar um xeque-mate na vida pregressa da mais alta corte do País. Se, antes, nunca foi assim, como está dito no silêncio das palavras do magistrado, o que fizeram nossos ministros ao longo dessa história pregressa? O que dizer de suas tantas decisões, se, até então, não tinham sido tomadas pra “mudar a cultura no país”? Acho que o ex-ministro pode até solfejar bem, mas derrapa naquilo de que Clarice Lispector muito entendia: “…Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo vazio não está à-toa, está oculto em suas raízes submersas em profundidade do mar…”

Mídia pra que te quero. Havia um personagem, de cujo nome não me lembro, criado pelo saudoso Chico Anísio, que marcava sua presença repetindo o bordão “palavras são palavras, nada mais que palavras”. Na contextualização de seus quadros humorísticos, depreendia-se o caráter de uma figura burlesca e desonesta que se passava por um político que muito prometia, mas nada cumpria. Mas, afora esse tom particular dado pelo humorista, é muito bom que se diga que palavras não são apenas palavras. Elas são apenas a parte visível de uma profusão de sentidos que nada têm de inocentes. Ou, melhor dizendo, não há gratuidade nas palavras. Nada se fala por falar. Nada se diz por dizer. Tudo o que se diz projeta sentidos, embora nem sempre perceptíveis por quem diz ou escreve ou por quem ouve ou lê. Os sentidos são ideológicos por natureza, já nos alertava o velho Bakhtin. Pra bem ilustrar esse texto já quase acadêmico, dia desses abri dois jornais locais, com matérias diferentes, mas vindas da mesma fonte: a Agência Estado (AE), vinculada a um dos poucos grupos empresariais que fatiam a chamada midiazona no Brasil. Não vou me estender a análises, apenas trazer o factual à tona para o que, suponho, seja mote para uma boa discussão sobre o que nos tentam enfiar goela abaixo todos os dias sob o manto da “liberdade de imprensa”. Em um dos jornais deparo-me com a seguinte manchete: “Justiça LIBERTA Cachoeira” (o destaque é meu). Em outro, com a seguinte: “Justiça LIVRA Lula de ação que cobrava R$ 9,5 milhões” (o destaque também é meu). Discursivamente falando, entre “libertar” e “livrar” há um oceano de sentidos. O resto é com os leitores.

Royalties, educação, CT&I. Concordo que foi uma grande sacada da Presidenta Dilma destinar 100% dos recursos dos royalties dos futuros contratos à educação. Golaço! Só a turma de espírito imediatista e sem compromisso com o futuro do país está chiando. Cabe razão, ainda, à Presidenta quando afirma que “não tem tecnologia, ciência e inovação sem educação de qualidade…” Indiscutível. Penso, porém, que são investimentos necessários e complementares tanto em educação quanto em CT&I. É preciso, sim, investir na formação de qualidade, mas também é preciso, paralelamente, investir sem descontinuidade em Ciência, Tecnologia e Inovação. A fórmula nada tem de original. Países outros que ditam as regras no cenário mundial percorreram a mesma trilha. Sem a sincronia entre investimentos em educação (em todos os níveis!) e CT&I corremos o risco de estar construindo um cobertor pequeno que ou cobre os pés ou a cabeça.

 

* Odenildo Sena é secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti). Este artigo é publicado simultaneamente no Portal Amazônia e no D24AM.