Pesquisa: variabilidade climática influencia previsões de calendário indígena
No Amazonas, o céu norteia as previsões meteorológicas dos indígenas. O saber contribui, por exemplo, com a escolha da época ideal para o plantio, colheita, caça, pesca e rituais. Mas, recente pesquisa aponta que as etnias têm registrado pequenas diferenças entre as épocas previstas e observadas. Segundo o estudo, os próprios indígenas atribuem as alterações no calendário à variabilidade climática.
O projeto ‘Etnoastronomia dos Povos Indígenas do Amazonas’ é liderado pelo doutor em Astronomia e Mecânica Celeste, pela Université Pierre et Marie Curie, Paris VI (França), Germano Bruno Afonso. Em 2010, a pesquisa foi contemplada com uma bolsa de Desenvolvimento Científico Regional (DCR) pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
O estudo, que deve ser concluído em julho deste ano, se propôs a pesquisar, registrar, validar e divulgar os saberes astronômicos tradicionais de várias etnias indígenas que habitam o Amazonas. Além disso, o projeto busca entender como os povos tradicionais utilizam esse conhecimento em suas comunidades.
As pesquisas de campo foram desenvolvidas principalmente nas comunidades indígenas de Manaus e de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros da capital, em linha reta). “Já pesquisei diversas etnias, tais como Tukano, Dessana, Baré, Tuyuka, Baniwa e Tikuna, com a ajuda de bolsistas indígenas. Em Manaus, a principal comunidade indígena pesquisada será a Tupé, dos Dessana, no Rio Negro. Em São Gabriel da Cachoeira, serão pesquisadas, também, diversas comunidades. No entanto, a principal pesquisa será feita na Escola Indígena Baniwa-Coripaco Pamáali, no Rio Içana, que não pertence a nenhuma comunidade.”, disse o pesquisador.
O estudo constatou que os indígenas relacionam suas constelações, que surgem ou desaparecem no céu, com eventos meteorológicos, como períodos de chuva ou de seca. “Depois, associam esses eventos com a época de enchente, de vazante, de plantio, de colheita, de caça, de pesca, de rituais, entre outros”, explicou Afonso.
De acordo com Afonso, os indígenas afirmaram que, atualmente, há pequenas diferenças entre as épocas previstas e as observadas no calendário. “Os próprios indígenas apontaram que as mudanças climáticas influenciaram as previsões”, disse.
Segundo o pesquisador, o projeto melhorou as previsões dos atuais calendários indígenas, utilizando dados obtidos por estações meteorológicas e cálculos astronômicos do nascer e o caso das constelações. “Esse resultado é fruto do intercâmbio entre os conhecimentos indígena e ocidental”, disse.
PROJETO
O projeto nasceu em 2009, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Manaus. Na ocasião, Afonso apresentou uma conferência intitulada ‘Astronomia Indígena’.
O trabalho também foi inspirado no livro ‘Céu dos Índios Tembé’, de autoria do próprio Afonso em parceria com a equipe do planetário da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Publicada em 1999, a obra é resultado de uma pesquisa de campo realizada na fronteira do Pará com o Maranhão. Em 2000, o livro recebeu o Prêmio Jabuti como melhor livro didático.
No início do projeto, estudantes universitários indígenas receberam capacitação em astronomia indígena e ocidental. Os alunos selecionados foram contemplados com bolsas da Fapeam para realizar visitas às comunidades indígenas para diálogos informais sobre etnoconhecimento, observação do céu – com a participação da etnia pesquisada – análise e validação das informações, apresentação e publicação dos resultados obtidos.
“A participação de bolsistas indígenas, que fazem as pesquisas preliminares em suas comunidades, é um diferencial do projeto, pois visamos a formação dos mesmos como ‘pesquisadores indígenas’. A escolha desses bolsistas indígenas está associada à área de abrangência e à etnia da pesquisa, pois a presença de um ‘pesquisador’ da própria comunidade faz, entre outras coisas, a mediação entre os conhecedores indígenas e não indígenas”, frisou Afonso.
Fonte: Agência Fapeam, por Isiane Chaves e Eliena Monteiro.