Pesquisa sobre perfumes do cerrado pode mudar a indústria de cosméticos

É nas primeiras horas do dia que os pesquisadores iniciam o trabalho de campo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Na longa caminhada por trilhas inexploradas pelo turismo, os olhos atentos são treinados para buscar plantas que possam exalar um agradável perfume. Quando identificam uma folha com mais penugem, característica que indica um potencial aromático, os cientistas logo colam o nariz na planta. Se houver um cheiro bem pronunciado e uma quantidade razoável da espécie no mesmo local, uma amostra é retirada e guardada em uma sacola plástica para análise.

O protocolo é parte de uma pesquisa de três anos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com plantas aromáticas do cerrado. A ideia é explorar a biodiversidade do bioma e identificar espécies com potencial de uso em larga escala pela indústria de cosméticos, perfumaria, alimentos, higiene e limpeza. Na primeira expedição fora do Distrito Federal, os pesquisadores montaram um minilaboratório no parque de proteção da Chapada dos Veadeiros. A estrutura, que conta com equipamentos sofisticados dispostos em uma pequena sala logo na entrada da reserva, além de despertar a curiosidade dos turistas que passam pelo local permite rápida análise do material coletado. A agilidade, no entanto, não é uma questão de luxo. Ela é necessária para a viabilidade da pesquisa, já que várias substâncias que conferem odor às plantas e flores são muito voláteis e se perdem em poucas horas.

Em uma perspectiva pra lá de animadora, não é impossível imaginar que do cerrado possa surgir a lavanda brasileira. “Se você não prospectar, nunca vai encontrar nada. A lavanda, por exemplo, era uma planta do Mediterrâneo que foi domesticada pelo homem e hoje é explorada em grande escala”, diz o coordenador do projeto, Roberto Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. O agrônomo ressalta que muitas das espécies do cerrado já foram descritas pela literatura científica, mas não analisadas com profundidade. E, se o assunto é óleo essencial, esse número fica ainda mais restrito. “Precisamos realizar uma extensa coleta, e é na prospecção que fazemos a primeira peneirada. Quanto mais você coloca no funil, mais chance existe de pingar algo interessante no fim. Às vezes, você coleta várias plantas para encontrar duas que valem a pena”.

O foco não é o extrativismo dessas espécies vegetais. Ainda que muitas delas sejam endêmicas, ou seja, exclusivas do cerrado. Mas antes de projetar qualquer sucesso econômico de uma planta, é preciso primeiramente prospectar, o que não é tarefa fácil.

NARIZ E LUPA

Na busca por novos aromas, cheirar é imprescindível. Para nortear a empreitada pelo mundo dos aromas, os pesquisadores destacaram algumas espécies com um potencial já conhecido de produção de óleos essenciais. Elas pertencem às famílias Lamiaceae, Verbenaceae, Asteraceae e Myrtaceae, e cada uma tem características visíveis próprias. Apesar de se guiarem por essas espécies, os pesquisadores não economizam cheiradas e repetem a ação em diversos períodos do dia. Isso porque, dependendo do horário, as plantas exalam mais ou menos cheiro. “Todo esse processo tem a ver com a relação das plantas com o polinizador. O odor pode ser um mecanismo para atraí-lo, ou pode ser também uma forma de defesa, para repelir algum animal”, explica Vieira.

GPS E DESTILAÇÃO

Durante a extração do material, os pesquisadores marcam no GPS o local em que a planta foi encontrada e separam um exemplar para a montar um herbáreo de referência. A maior parte da amostra, no entanto, é levada para o laboratório na entrada do parque. Lá, o técnico da Embrapa, Ismael da Silva Gomes, mergulha as folhas na água e as coloca em um equipamento de destilação. Devido à alta temperatura, o vapor da água banhada pelas folhas sobe até um cano resfriado, onde é condensado. O processo separa a água do óleo. Essa substância é levada, então, para Brasília e para o Rio de Janeiro, onde passa por um cromatógrafo, equipamento que faz a separação molecular da substância. É nessa etapa que se distingue a lista de compostos presentes no óleo e a proporção de cada um.

Rafael Ferreira da Silva, estudante de mestrado de química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também participa do projeto, explica que existem várias substâncias em uma planta, mas nem todas são responsáveis por seu odor. “Às vezes, é o composto que está presente em menor proporção que dá o aroma à planta. Outras, é uma mistura de alguns compostos específicos. O que faz uma flor agradável é a proporção das substâncias presentes nela.” E é exatamente essa proporção que os pesquisadores conseguirão após a análise por cromatógrafo. Segundo Roberto Vieira, o que o campo da perfumaria procura são novas possibilidades de misturas. Como ela é um ramo sempre em busca de novidades, uma planta diferente acrescentada em uma conhecida fórmula pode ser uma pequena mudança capaz de proporcionar uma outra sensação e percepção do odor.

A análise sensorial, inclusive, entrará em uma etapa posterior do projeto. Silva explica que será organizado um painel composto por voluntários treinados para reconhecer e identificar odores. “Eles classificarão cada um com base nas notas da perfumaria. Dirão se o que sentem é um cheiro floral, pungente ou amadeirado, por exemplo.” A esperança, após o largo levantamento, é encontrar um novo aroma para a indústria de fragrância que agregue valor ao cerrado. “A Amazônia hoje não nos acrescenta nada de novo. Temos as mesmas plantas de 100 anos atrás. As duas únicas inserções são a priprioca e o breu. No cerrado, temos um grande potencial, mas, se não fizermos uma prospeção, nada acontecerá”, pontua Bizzo.

Fonte: Estado de Minas