Premiação do jornal O Globo homenageia personalidades de destaque
Jacob Palis Jr., presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), e Sílvio Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundador do Porto Digital de Recife, estão entre os agraciados com o Prêmio Faz a Diferença, do jornal carioca "O Globo".
Ao todo, o prêmio reconheceu o trabalho de 16 personalidades em diferentes categorias, de acordo com seus campos de atuação. Em cada categoria, havia três indicados (personalidade ou empresa), apontados pelos jornalistas de cada editoria do jornal. A decisão sobre os vencedores coube a um júri de cinco votos, formado por três jornalistas de "O Globo", o premiado da edição anterior e o resultado do voto popular na internet.
Palis Jr. venceu na categoria "Ciência/História". Já Meira foi escolhido na categoria "Economia".
O Prêmio Faz a Diferença é anual e foi lançado há oito anos, numa parceria entre o jornal e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Leia abaixo as reportagens sobre Palis Jr. e Meira:
Jacob Palis
Considerada por muitos um bicho de sete cabeças, a matemática está presente no dia a dia das pessoas de formas que a maioria nem desconfia. Previsões possibilitadas pelo estudo da teoria do caos e de sistemas dinâmicos, especialidades de Jacob Palis, estão na base das inovações e invenções que transformaram o mundo nas últimas décadas.
Mais novo dos oito filhos de um comerciante libanês com uma dona de casa síria que chegaram ao Brasil no início do século XX, Jacob Palis sempre foi um aluno destacado nas escolas de sua Uberaba natal. Desde cedo demonstrava interesse pela matemática, campo em que acabaria reconhecido no Brasil e no exterior.
Presidente da Academia Brasileira de Ciências, recebeu no ano passado o Prêmio Balzan, um dos mais importantes do mundo, por seus estudos
sobre sistemas dinâmicos
A curiosidade de Palis, no entanto, também lhe rendeu problemas. Já cursando engenharia na então Universidade do Brasil (hoje UFRJ), para onde foi por influência do recém-falecido irmão Gilmar, ele foi parar por duas vezes na sala do diretor por causa do excesso de perguntas e afirmações que fazia durante as aulas.
Numa delas, disse ao professor que poderia resumir as últimas seis aulas em apenas meia. Desafiado por ele a cumprir a palavra, foi para o quadro negro e assim o fez, sendo tachado de impertinente.
– Tive muitas chances de estudar, o que foi muito importante para mim – conta. – Eu fazia muitas perguntas e fiquei conhecido por isso. Mas alguns professores achavam que era deboche e se queixavam ao diretor, Rufino Pizarro, que me chamou à sua sala. Ele primeiro disse que precisava me repreender, mas, quando estava saindo, afirmou: "nunca mude".
Formado em 1962, ganhou o prêmio de melhor aluno da Universidade do Brasil naquele ano. Mas Palis queria estudar mais matemática e física antes de se dedicar à engenharia e passou a frequentar o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Pouco depois, resolveu estudar no exterior. A decisão assustou a família, mas ele a convenceu e perguntou a Elon Lima, um matemático conhecido, qual tinha sido o melhor matemático estrangeiro que havia passado pelo Brasil naqueles tempos. Teve como resposta o americano Stephen Smale, que acabou levando-o para estudar em Berkeley, na Califórnia.
Em apenas três anos, Palis concluiu mestrado e doutorado. Trabalhou alguns anos nos EUA, mas recusou propostas para ficar no país e preferiu voltar para o Brasil, onde ajudou a transformar o Impa, que dirigiu entre 1993 e 2003, num centro de excelência. O retorno à engenharia, porém, nunca aconteceu.
– Eu não era um matemático, mas me recuperei rápido.
Hoje, Palis lidera as pesquisas em sistemas dinâmicos no Impa. Sua ambição é fazer a descrição universal de um sistema dinâmico típico cuja evolução futura seja moldada por um número finito de objetos, ou atratores, desafio que já frustrou muitos de seus colegas.
– Os sistemas dinâmicos são usados para fazer previsões sobre o futuro, algo extremamente atraente para o ser humano – explica. – Se tivermos sucesso, será possível estimar a incerteza de qualquer sistema, isto é, o quanto suas previsões são acuradas. Um matemático deve fazer
um esforço para transmitir bem suas ideias. Detalhes técnicos, equações, só são importantes em círculos fechados.
Palis também está otimista quanto ao futuro da ciência no Brasil. Ele lembra que nos últimos anos o país deu um salto tanto em termos quantitativos quanto em qualitativos na sua produção científica e começa a vencer o fato de ainda ser relativamente jovem.
– Tenho muito orgulho em ser um produto da comunidade científica brasileira, hoje sólida, presente e respeitada em todo o mundo – afirma.
(Cesar Baima)
Sílvio Meira
Enquanto redes sociais, games, smartphones e tablets ganhavam o mundo em 2010, Sílvio Meira deixava sua marca na economia brasileira, com a consolidação do Porto Digital de Recife, polo de tecnologia fundado por ele dez anos antes. O cientista aposta na integração entre academia e mercado, com geração de renda e retenção de cérebros no Nordeste.
Natural do município sertanejo de Taperoá (PB), Sílvio Meira morava em São Paulo na década de 70, onde estudava engenharia eletrônica no Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), até que um dia ficou quatro horas num engarrafamento na Marginal Tietê. Uma espera eterna, para seu temperamento inquieto.
Decidiu, então, retornar a Recife, onde residia, e fez mestrado de computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da qual sairia para um doutorado no exterior. Meira não sabia, mas era o ponto de partida para fundar o Porto Digital de Recife, considerado o Vale do Silício brasileiro.
De volta a Pernambuco, implantou o Programa de Doutoramento em Ciência da Computação da UFPE, mas se defrontou com uma realidade inquietante: seus alunos eram convocados para trabalhar em outras cidades e até no exterior. Antes que perdesse a "prata da casa", decidiu, em 1996, criar o C.e.s.a.r – Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, hoje uma das mais inovadoras instituições de pesquisa do Brasil.
– A gente tinha a preocupação principal de como atrair problemas para Pernambuco, problemas complexos, sofisticados, para tentar manter aqui o capital humano com um certo grau de educação que a gente vinha formando – diz o cientista-chefe do C.e.s.a.r.
O centro desenvolve soluções para empresas como Motorola, Oi, Embraer, Alcatel, Samsung, Siemens e Chesf e viu seu faturamento saltar de R$ 12 mil em 1996 para R$ 46 milhões em 2009. Clientes internacionais representam 75% dos contratos. No empreendimento, trabalham 670 pessoas – 220 da Pintang, uma fábrica de software que detém 100% de suas ações.
O C.e.s.a.r, inicialmente na UFPE, está ancorado no Porto Digital, cujo conselho de administração é presidido por Meira. O polo, fundado em 2000, emprega cinco mil pessoas de 150 empresas da área da tecnologia da informação no bairro do Recife Antigo. Os velhos prédios, que outrora sediavam inferninhos, agora comportam negócios que prestam serviços para o mundo.
Para Meira, as perspectivas são animadoras: a meta é que, em 2017, o Porto Digital represente 10% do PIB pernambucano.
– Começamos com 0,8% do PIB, atingimos 3,8% e vamos manter a meta para 2017.
São soluções nas áreas de engenharia (desempenho e segurança de sistemas, wireless, TV digital), educação e novos negócios. Além da Pintang, o C.e.s.a.r gerou firmas como a NeuroTech (soluções para análise de risco de crédito) e a Qualiti (processo de qualidade de software). Ao todo, 30 empresas incubadas se emanciparam e cinco estão em formação. Mas Meira ressalva:
– Não incubamos empresas; incubamos negócios. Negócios nem sempre fáceis. Para o cientista, são necessários pelo menos 25 anos para que uma firma de TI se consolide.
Ele lembra que o C.e.s.a.r escapou da crise de 2000 (bolha da internet) e já se recupera do baque de 2008 (crise global). Por acreditar tanto nos negócios, Meira se associou a empresas de alguns orientandos no Porto Digital, prática pouco usual no Brasil.
Entre as cerca de quatro viagens internacionais que faz por mês, ele encontra tempo para andar de bicicleta pelo Recife e ir aos ensaios do maracatu de baque virado Cabra Alada, cujas alfaias são tão inseparáveis para ele quanto as máquinas. Em sua casa, alfaias e baquetas repousam ao lado dos três computadores sobre a mesa.
Quem não repousa é Meira. Às vésperas de se aposentar pela UFPE, tem planos: criar uma rede de investidores e elaborar um desenho de negócios voltado para empresas de TI que buscam capital.
(Letícia Lins)
(O Globo, 15/1)