Relatório de sustentabilidade ganha uma versão em português
O setor nacional de mineração ganha a partir do dia 28/09 a versão em português das diretrizes para a elaboração de relatórios de sustentabilidade do tipo GRI (Global Reporting Initiative).
O lançamento da edição setorial será feito por Ernst Ligteringen, presidente da GRI, durante o 14º Congresso Brasileiro de Mineração, que acontece em Belo Horizonte (MG), até quinta-feira. A ideia é que mais empresas do segmento adotem o modelo, usado por mais de quatro mil organizações, em todo o mundo. No Brasil, o número de relatórios GRI produzidos passou de 81, em 2009, para 133 documentos.
Criada em 1997 com a ajuda de ambientalistas, ativistas sociais e representantes de fundos socialmente responsáveis, a GRI é uma organização sem fins lucrativos, que desenvolve uma estrutura de relatórios de sustentabilidade adotada por cerca de 4,5 mil organizações. A meta da entidade, com sede na Holanda, é elevar as práticas de relatórios de sustentabilidade ao mesmo patamar de importância dos relatórios financeiros.
"A visão da GRI é que os documentos de desempenho econômico, ambiental e social tornem-se tão rotineiros e úteis quanto os similares financeiros", afirma Gláucia Terreo, representante da organização no Brasil. Para alcançar esse objetivo, as diretrizes para a elaboração dos documentos estão disponíveis em mais de 20 idiomas e agora em português, para o segmento de mineração e metais.
Segundo Gláucia, os conteúdos dos relatórios GRI dialogam com as principais referências internacionais em sustentabilidade, como a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, o Pacto Global, a Carta da Terra e os padrões ISO. No Brasil, acompanha iniciativas como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa, indicadores do Instituto Ethos e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
"Muitas empresas brasileiras foram pioneiras em relatórios de sustentabilidade na última década, abrindo caminho para outras organizações no país e no mundo", lembra Ernst Ligteringen, presidente da GRI, que veio ao Brasil lançar o suplemento setorial de mineração da GRI, em português. "O Brasil tem papel de destaque na padronização do uso de acompanhamentos de sustentabilidade."
A Natura foi a primeira empresa local a utilizar as diretrizes da GRI, em 2000. "O Brasil é o terceiro colocado em relação à quantidade de relatórios registrados no site da GRI, atrás dos Estados Unidos, com 181 dossiês, e a Espanha, com 166 estudos", diz Gláucia. "Deveremos chegar a mais de 200 documentações brasileiras em 2012."
De acordo com a especialista, o aumento da adesão acontece porque existe um melhor entendimento das diretrizes da GRI pelas organizações, estimuladas pelas demandas do mercado. "Hoje, há investidores socialmente responsáveis que solicitam informações não financeiras das empresas."
A discussão sobre a adoção de relatórios de sustentabilidade acontece em todo o mundo, de acordo com a representante da GRI no Brasil. Na Suécia, todas as estatais são obrigadas a apresentar os documentos. Na Dinamarca e Noruega, grandes empresas devem reportar ou explicar por que não o fizeram, enquanto na Bolsa da África do Sul o comprovante de sustentabilidade é critério de listagem para participar do pregão.
"No Brasil, a maior dificuldade na incorporação do modelo é a falta de entendimento das lideranças das empresas sobre os relatórios", diz Gláucia. "Confunde-se o documento com uma peça de propaganda. Contribuir com a sustentabilidade do planeta é essencial, mas há espaço também para objetivos de negócios, como a atração de investimentos e o acesso a financiamentos."
O suplemento setorial para mineração em português aborda temas como biodiversidade, relações trabalhistas, direitos dos povos indígenas, relações com a comunidade, mineração artesanal e planejamento para o fechamento de minas, segundo Estevam Pereira, diretor da Report, consultoria que conduziu a versão nacional.
O material original foi produzido por organizações como BHP Billiton, Rio Tinto, World Wildlife Fund (WWF) e Vale. Está disponível gratuitamente, para download, no site www.globalreporting.org. "Especialistas em meio ambiente e representantes das comunidades impactadas também foram ouvidos durante o processo de produção", diz Pereira.
Segundo a consultora Vânia Marques, que elabora relatórios de sustentabilidade GRI para empresas, um dos desafios do setor é criar alternativas mais baratas de orientação para que pequenos e médios empreendimentos adotem a prática. "Isso contribui para melhorar a competitividade, especialmente entre companhias em que a transparência é requisito chave para o negócio", explica. "Os empresários ganham uma ferramenta para implementar práticas de gestão voltadas à sustentabilidade."
Para a consultora, a prática no Brasil poderia ser incentivada também por associações de classe, organizações do Sistema S e pelo governo, com a criação de instrumentos mais acessíveis de difusão da metodologia.
Gestão ambiental – As boas práticas adotadas pela indústria mineral brasileira elevam o País a uma posição de destaque no ranking internacional da sustentabilidade. A afirmação é de André Reis, coordenador do Instituto Brasileiro de Mineração na Amazônia (Ibram-Amazônia). "Temos processos sustentáveis cada vez mais comprometidos com o equilíbrio socioambiental, que incluem pesquisas, sistemas de gestão ambiental e certificações técnicas", afirma.
Segundo o especialista, os grandes atores do setor respeitam as áreas protegidas ou legalmente demarcadas e desenvolvem abordagens de trabalho integradas para o uso e ocupação do solo. "No Brasil, o maior desafio está na Amazônia, onde é preciso provar que a biodiversidade e a geodiversidade não são concorrentes. É possível produzir minerais e, ao mesmo tempo, colaborar para a conservação da natureza."
Para Reis, é preciso ainda aperfeiçoar as interpretações sobre a compensação ambiental paga pelas empresas. "As unidades de conservação são criadas sem pesquisa prévia do subsolo e sabemos que ambientes de negócios com elevados riscos jurídicos oneram os projetos e inibem investimentos."
O coordenador do Ibram na Amazônia acredita que a indústria de mineração tem condições de operar em unidades de conservação de uso sustentável. "Os projetos de mineração presentes há mais tempo na região amazônica demonstram que é possível produzir minerais e colaborar para a conservação da biodiversidade".
Para Maria Clara Migliacio, diretora do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (CNA/Iphan), o licenciamento ambiental para a mineração é um processo complexo, que não se resume ao carimbo de uma repartição pública. O Iphan atua como órgão anuente ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), avaliando o cumprimento da legislação de proteção ao patrimônio cultural e arqueológico.
"A melhoria dos serviços públicos depende de maior comunicação entre os órgãos que participam do licenciamento, da implantação de um sistema informatizado para todas as entidades envolvidas no processo de licenças e do fortalecimento da estrutura para trabalhos de proteção ao patrimônio", diz Maria Clara.
Segundo ela, nos últimos 20 anos, as pesquisas arqueológicas realizadas no país aumentaram de cinco estudos autorizados pelo Iphan, em 1991, para cerca de mil relatórios ao ano. A obrigatoriedade das licenças ampliou o campo de ensino e trabalho para estudantes e arqueólogos. "Há poucos anos, tínhamos apenas um curso de graduação e três programas de pós-graduação em áreas afins", diz Maria Clara. "Hoje, são dez cursos de graduação e sete de pós, em várias regiões do Brasil".
Mesmo assim, o problema principal do setor ainda é um reduzido quadro de recursos humanos para dar conta da demanda. "Enquanto o governo mexicano tem 800 arqueólogos e a França conta com mais de 400, o Brasil tem apenas 40 técnicos que se dedicam à gestão do patrimônio no licenciamento ambiental."
Fonte: Valor Econômico