Robô do Brasil pode ajudar a desvendar o cérebro

Nicolelis (de branco) mostra para Collins o exoesqueleto que fará com que um jovem paraplégico dê primeiro chute da Copa do Mundo. Foto: Fernando Donasci

Em sua primeira visita ao Brasil, o homem mais poderoso da saúde mundial, o americano Francis Collins, foi ver de perto — e achou “incrível” — o exoesqueleto que fará com que um jovem paraplégico brasileiro dê o primeiro pontapé do jogo de abertura da Copa do Mundo no próximo dia 12. Aos 64 anos, Collins, pioneiro do projeto genoma humano, é diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), cujo orçamento é de US$ 32 bilhões por ano, usados não apenas para financiar pesquisas relacionadas à ciência e saúde nos EUA como no resto do mundo. O projeto inédito do neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, disse Collins, pode contribuir para o que ele encara como o atual grande desafio da ciência: entender como o cérebro humano funciona.

Homem-forte do governo Barack Obama, Collins está à frente da chamada Brain Initiative (Iniciativa do Cérebro), anunciada pelo presidente americano no ano passado. Em entrevista a jornalistas após o encontro com Nicolelis — que aconteceu no laboratório do neurocientista em São Paulo onde o exoesqueleto está sendo testado —, Collins adiantou que a verba anual da Brain Initiative vai aumentar de US$ 40 milhões para US$ 100 milhões a partir de junho. Ainda na primeira semana do mês que vem, um grupo de especialistas do “mais alto nível” vai apresentar ao governo dos EUA quais serão o plano de voo e os objetivos da iniciativa para os próximos 10 anos. A intenção é tentar entender, da forma mais detalhada possível, como os circuitos do cérebro fazem o que fazem.

“Somos bons em medir a descarga de um neurônio ou até de dezenas de neurônios. Somos bons em tirar imagens do cérebro e olhar para ver o que podemos aprender com as fotos. Mas sabemos muito pouco sobre como milhões de neurônios iniciam coisas complicadas como um movimento involuntário do braço; ou processam a informação visual para que uma pessoa saiba quem está na sala, ou mesmo recuperar esta imagem um ano depois. É isso que estamos buscando”, explicou.

GRIPE NA MIRA DE COLLINS

O estágio inicial da pesquisa do cérebro será a construção de ferramentas. Os cientistas buscam, por exemplo, construir eletrodos em escala nano capazes de medir, em tempo real, a ação de vários neurônios ao mesmo tempo. Outro investimento grande, contou Collins, é tirar imagens do cérebro em resolução cada vez mais alta.

“Isso tudo será fundamental para pesquisar como controlar doenças como autismo, esquizofrenia, Alzheimer, epilepsia, depressão ou mesmo uma lesão traumática do cérebro ou da medula”, declarou.

O NIH financia há 25 anos, os valores não são divulgados, a pesquisa básica de Nicolelis em seu centro de pesquisa na Universidade de Duke, nos EUA, que deu origem ao exoesqueleto. O robô, no entanto, foi completamente financiado pelo Governo brasileiro. Os dois cientistas falaram sobre como o trabalho de Nicolelis (a estrutura é uma interface do cérebro que basicamente funciona sob o comando da mente do deficiente) pode ajudar a compreender melhor como os neurônios realizam os movimentos. Oito jovens com lesão medular estão testando as máquinas, mas o nome do responsável pelo chute só será conhecido no dia 12.

As pesquisas com neurociência consomem cerca de US$ 5,5 bilhões por ano do orçamento do NIH. Outros projetos, inclusive com parcerias no Brasil, envolvem doenças infecciosas e câncer. A instituição americana trabalha financiando pesquisas em centros como a USP e o Instituto Butatã, em São Paulo, além do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e a Fiocruz, no Rio, que, aliás, será visitada por Collins amanhã. O Brasil está entre os 10 principais receptores de verba do NIH; entre os principais projetos, está o de uma vacina contra a dengue.

Falando em vacina, Collins disse que espera, nos próximos oito anos, obter uma vacina “única e universal” contra o vírus da gripe, “que nos atormenta há séculos”.

“As vantagens de uma vacina única seriam imensas: ninguém precisaria tomar todo o ano uma injeção e reduziríamos o risco de qualquer pandemia porque, se houver uma emergência de um vírus muito forte, a habilidade de se fazer uma vacina que circule rapidamente pelo mundo é reduzida”, disse.

Uma área que o diretor gostaria de ver mais desenvolvida é a caríssima medicina personalizada. Comentando a “medida radical” tomada pela atriz Angelina Jolie — que retirou os seios após identificar uma mutação genética que aumentaria suas chances de desenvolver câncer de mama —, Collins disse que “ela fez uma escolha baseada em análise de dados”. Mas que uma saída mais efetiva e menos custosa para a população mundial fosse talvez, uma vez que a pessoa desenvolva o câncer, ter este tumor analisado para ver exatamente o que há de errado com o DNA das células doentes.

“Aí saberíamos que tipo de tratamento vai funcionar. Nós adoraríamos superar a fase “uma droga para todos” dos quimioterápicos. Mas os altos custos faz com que estejamos avançando pouco”, declarou.

Collins ainda foi pioneiro do Projeto Genoma Humano, concluído em 2003, e escreveu o best-seller “A linguagem de Deus” em que garante: Deus e Ciência convivem muito bem. Pena que a visita foi corrida e ele falou apenas de ciência.

Fonte: O Globo