Se a ciência fosse uma galáxia…

O mapa do projeto Paperscape; no detalhe, uma “nuvem” de estudos sobre buraco negros.  Imagem: reprodução

Se cada pesquisa científica fosse uma estrela, como seria a galáxia da ciência? Essa pergunta pode parecer meio sem propósito, mas um estudo que usou exatamente essa lógica acaba de produzir um mapa extremamente interessante, que permite visualizar o jogo de influências nas ciências naturais.

Na imagem acima, o mapa do projeto Paperscape, cada ponto representa um artigo científico publicado no ArXiv, o maior repositório do planeta para artigos científicos preliminares. Com 867 mil artigos hoje, essa base de dados é hoje a principal via de comunicação para a matemática, a física, a astronomia, a ciência da computação e outras áreas das exatas.

De modo diferente daquele que ainda é praxe nas ciências biológicas, a maioria dos físicos hoje divulga os resultados de seus estudos assim que os obtém, sem passar por revisão independente, postando-os no ArXiv. Só depois de os artigos serem discutidos é que são submetidos para publicação formal em periódicos científicos.

Isso torna a física e a astronomia muito mais dinâmicas que a biologia hoje, mas resulta também num cenário mais caótico. Nas publicações científicas “oficiais” tudo é monitorado por organizações que indexam os estudos, mostrando quais trabalhos citam quais. Isso permite a alguém ter uma noção melhor de quão influente é um estudo e quem ele está influenciando. Na cacofonia do ArXiv, porém, encontrar produção científica relevante requer grande expertise em cada área, pois tudo lá dentro ocorre, de certa forma, à margem da ciência oficial.

É aí que entra a ideia de Damien George e Rob Knegjens, criadores do Paperscape. A dupla encontrou uma maneira eficaz e elegante de fazer isso, criando um aplicativo que consulta o banco de dados do ArXiv a todo momento, e cria automaticamente o mapa acima. Ele é uma representação gráfica do cenário acadêmico nas áreas cobertas pelo site.

Na imagem, cada pequeno círculo representa um estudo (é possível dar um zoom para explorar áreas específicas, e clicar no círculo abre um link para o estudo). Quanto maior o círculo, mais citações o estudo recebeu. Quanto mais brilhante, mais recente é o trabalho. As diferentes cores representam diferentes áreas específicas: astrofísica (rosa) , física de altas energias teórica (azul), física experimental (verde), etc. O posicionamento dos círculos é calculado com base em citações. Quando um estudo cita o outro, ambos se aproximam um pouco. Se dois estudos citam um terceiro em comum, aproximam-se ainda mais.

A área de fronteira entre a astrofísica e a física de altas energias, altamente interdisciplinar. Imagem: reprocução

A área de fronteira entre a astrofísica e a física de altas energias, altamente interdisciplinar. Imagem: reprodução.

O resultado é um panorama de conexão bem interessante. Entendendo a lógica do mapa, é possível ver, por exemplo, o turbilhão de interdisciplinaridade entre a astrofísica e a física de partículas, que interagem para tentar criar uma teoria física capaz de abarcar ao mesmo tempo os mundos macroscópico e macroscópico. Esse é o maior desafio da física hoje, e fica  claro ao se olhar para o mapa.

Olhando para cada macro região é possível ver os trabalhos mais influentes. Na área da astrofísica/cosmologia, os dados da sonda WMAP (que mediu a idade do universo) e a descoberta da energia escura, dominam a paisagem. Em áreas mais interdisciplinares, se destacam estudos com teorias mais especulativas, como o trabalho da física teórica Lisa Randall que prevê a existência de dimensões espaciais extras.

A “nuvem” da matemática, rarefeita, e um estudo de geometria que migrou para a física. Imagem: reprodução

A “nuvem” da matemática, rarefeita, e um estudo de geometria que migrou para a física. Imagem: reprodução

Já matemática, por exemplo, existe como uma nuvem difusa a sudoeste do mapa geral. Alguns trabalhos que desenvolveram ferramentas importantes migraram para dentro de regiões da física onde são altamente citados.

O mapa do Paperscape, de certa forma, lembra uma galáxia de verdade. Estudos que citam muito uns aos outros ganham mais “massa” e se aproximam mais uns dos outros, como se tivessem gravidade.  E áreas da ciência nas quais pesquisadores trabalham mais isolados viram nuvens rarefeitas como a da matemática. No algoritmo que rege as regras do projeto existe até mesmo uma espécie de “energia escura”, uma força tênue que permeia tudo e age como uma “anti-gravidade”.

O ArXiv não mapeia a totalidade de artigos em suas áreas de ciência, porém, pois alguns artigos importantes não são submetidos ao site, e outros acabam sendo retirados. Mas o cenário que se pode observar é bem representativo. Para quem se interessa por ciência, observar os padrões de distribuição no mapa do Paperscape é tão divertido quanto olhar para detalhes de uma galáxia de verdade. Fico imaginando como seria o mapa com a biologia, a química e outras ciências com pouca presença no ArXiv se encaixando nesse panorama.

*Rafael Garcia é repórter de Ciência.

 Este artigo foi divulgado anteriormente na Folha de São Paulo. A equipe do CIÊNCIAemPAUTA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do site.