‘Superbactérias’ provocam crise de saúde global, alerta estudo

Uso exagerado de antibióticos em animais para o consumo humano pode criar ‘superbactérias’ e novas doenças. Foto: Matt Rourke/AP

O uso excessivo de antibióticos na agricultura e na criação de animais – também chamado de consumo não humano – inaugurou uma era de “crise de saúde global”, segundo um estudo publicado esta semana na revista New England Journal of Medicine.

O economista Aidan Hollis, autor do artigo e professor da Universidade de Calgary (Canadá), alerta que as substâncias aumentaram o contingente de micro-organismos imunes aos medicamentos. Em contato com as “superbactérias”, o homem está sujeito a um novo leque de infecções ainda não conhecido pela indústria farmacêutica.

Estima-se que só nos EUA sejam consumidas cerca de 51 toneladas de antibióticos por dia, 80% deste total para o aumento da produção agropecuária. No resto do mundo, no entanto, esta proporção também seria alarmante – à exceção da União Europeia, onde o uso destes medicamentos no campo é proibido.

Os antibióticos são aplicados em árvores frutíferas e, principalmente, em animais. Sua injeção exagerada no meio ambiente permitiu a multiplicação de bactérias mais resistentes. O pesquisador lista evidências de patógenos imunes à enxurrada de medicamentos usados no campo.

“Vivemos atualmente uma crise de saúde global. As bactérias resistentes a antibióticos causam cerca de 2 milhões de infecções anualmente nos EUA. E a imunidade destes micro-organismos está crescendo”,  avalia.

Além de nossa dieta, as bactérias imunes a antibióticos nos atingem por outras vias. “Não é apenas a comida que consumimos. As “superbactérias” se espalham no ambiente e vão de uma pessoa para outra. Se você for infectado com uma bactéria resistente, os antibióticos não lhe darão um alívio”, completou o economista.

Segundo Hollis, as indústrias farmacêuticas, embora reconheçam o valor dos antibióticos, ainda não se sentem estimuladas a produzir remédios contra as “superbactérias”:

“A medicina moderna se baseia em antibióticos para matar infecções bacterianas. Sem estes medicamentos, qualquer cirurgia seria extremamente arriscada e as terapias, menos eficientes. Mesmo assim, as companhias farmacêuticas ainda não investem no desenvolvimento de remédios contra as “superbactérias”. Enfrentamos uma escassez de produtos”, disse.

Sem a aplicação de antibióticos no campo, o desenvolvimento das “superbactérias” poderia ser interrompido. No artigo, Hollis sugere a criação de uma taxa contra o uso exagerado dos medicamentos, da mesma forma que petroleiras pagam royalties por sua atividade e empresas que cortam árvores bancam projetos de replantio.

Os empresários do setor agropecuário, no entanto, não abrem mão dos antibióticos, que diminuem os custos da produção.

“Os antibióticos são aplicados em pequenas doses, mas é o suficiente para reduzir a quantidade de grãos necessária para alimentar o gado, ou para que um filhote não fique doente quando estiver em condições insalubres. São métodos obviamente lucrativos para os fazendeiros, mas isso não significa que vão gerar grandes benefícios. É possível alimentar o mundo inteiro sem recorrer a estes medicamentos”.

TRATADO INTERNACIONAL

De acordo com o economista, a criação de um imposto forçaria o agropecuarista a investir em métodos de melhor manutenção de seus animais. Entre eles, o uso de vacinas, em vez de antibióticos, para tratar animais doentes.

Além de uma taxa para controle dos medicamentos, Hollis também sugere a instituição de um tratado internacional contra os antibióticos não humanos. O economista lembra que as “superbactérias” não respeitam fronteiras.

Devido à sua grande produção agropecuária, o Brasil deve ser “pressionado” a reduzir a aplicação destes medicamentos no campo.

“O Brasil é um País emergente com indústria agrícola. Deve ser pressionado a aderir a um acordo internacional. Este documento restringiria o consumo dos antibióticos. Proibir totalmente o seu uso seria muito mais difícil de monitorar”.

Hollis avalia que o acordo teria grande adesão porque os governos veriam a imposição de multas como uma nova fonte de receitas. A ONG Aliança para o Uso Prudente de Antibióticos (Apua) comparou o efeito de antibióticos ingeridos propositalmente – por exemplo, pela automedicação – àqueles ingeridos em alimentos.

Lopes, no entanto, destaca que o uso de antibióticos pulverizados em plantas é “desprezível” no Brasil. Os problemas de saúde são causados pelos medicamentos aplicados em animais ou pela própria automedicação. “Por aqui, a ingestão indesejável de antibióticos por humanos era praticamente 100% de origem animal. O cuidado maior deve ser com uso de antibióticos na criação de animais de abate”.

Duas semanas atrás, a FDA, a agência americana que regula alimentos e remédios, anunciou limites voluntários para o uso de antibióticos em fazendas.

A agência lembrou que a grande maioria dos antibióticos usados na agricultura não é aplicada em medidas que trariam grande impacto – como remédio para animais doentes -, mas para promover a baixo custo o crescimento de espécies. A FDA sugere que as companhias farmacêuticas mudem as práticas de marketing para combater este problema. As metas, no entanto, foram consideradas “tímidas” pelos ambientalistas.

Fonte: O Globo