Um vírus descoberto por brasileiros no combate ao câncer
08/05/12 – Nos laboratórios do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ), um mistério de meio século se desfez. Um vírus, detectado pela primeira vez em 1961, foi finalmente classificado.
Pesquisas realizadas desde então não entraram em consenso sobre qual era o gênero do micro-organismo, que afeta o sistema nervoso central dos camundongos, provocando paralisia e encefalite. Seu potencial de infecção aos seres humanos é baixo, mas novos levantamentos podem provar sua utilidade em terapias oncológicas.
“Já conferimos que o vírus se multiplica bem em células cancerígenas. Agora, vamos verificar se o mesmo ocorre em outras não-tumorais”, explica Clarissa Damaso, professora adjunta do IBCCF e autora principal do projeto, capa da edição de maio da revista científica “Journal of Virology”. – Se ele se replica bem em células tumorais humanas e mal nas demais, podemos estudar a capacidade de ele ser um vírus que mata células de câncer.
O vírus cotia, como é conhecido, foi descoberto quando pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, deixaram camundongos presos em gaiolas e expostas em uma área verde. Por uma semana eles ficaram expostos a micro-organismos e seus hospedeiros, como mosquitos. Quando retornaram a laboratório, constatou-se que parte deles apresentava doenças neurológicas.
Durante 50 anos, três grupos de pesquisa tentaram caracterizar o micro-organismo. Descobriram apenas que era da família dos poxvírus, a mesma que abriga o agente causador da varíola. Agora, porém, os cientistas usaram os mais modernos métodos biológicos e moleculares disponíveis para sequenciar o genoma completo do vírus.
“Outros trabalhos tentaram definir qual seria o gênero, dentro desta família, em que este vírus se encaixava. Por isso não atingiram o resultado: porque se trata de um gênero novo”, ressalta Clarissa. O risco que ele promove é grande em roedores e, aparentemente, cervos ou algum outro mamífero da floresta. O homem não deve servir como hospedeiro. Se fosse, acredito que, a esta altura, teríamos notícias de pessoas infectadas, já que ele é conhecido desde 1961.
Segundo a análise conduzida pela equipe de Clarissa, a produção de partículas infecciosas atinge, em uma cultura de células em laboratório, o pico em até 48 horas. Em cada animal, porém, esta produção repercute de uma forma: as células de um primata mal denunciavam a presença do micro-organismo, mesmo estando contaminadas. Já as células de glioma humano ou de um rato, que são tumorais, pareciam totalmente destruídas após a infecção. A diferença, segundo o estudo, pode denunciar que, em certos seres vivos, o efeito do micro-organismo se daria de uma forma mais devagar.
O sequenciamento do genoma revelou, também, genes nunca descritos para esta família de vírus.
“Estes genes, semelhantes aos de vertebrados, podem dar indicações de possíveis hospedeiros desses micro-organismos. Provavelmente, ao longo da evolução desse vírus, esses genes foram incorporados de seus hospedeiros. Não genes tipicamente virais, mas aqueles com alto grau de semelhança com genes de animais”, – salienta Clarissa.
O destaque obtido pelo trabalho na publicação científica é, para Clarissa, uma prova de que trabalhos de pesquisa básica devem receber mais recursos. Algo que, por aqui, não é comum, dada a falta de aplicação imediata dos resultados.
“Encaixamos uma quebra-cabeça de 50 anos, e obtivemos um resultado relevante”, destaca a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da UFRJ, que contou com a ajuda das alunas de pós-graduação Priscila Afonso, Patrícia Silva e Laila Schnellrath. “Este experimento mostra como há, no país, condições de fazer uma pesquisa básica de qualidade. E, também, como recebemos reconhecimento de nossos colegas do exterior, se houver financiamento para nossos estudos”, disse.
Fonte: O Globo